Cid Benjamin: “Avólio, um dos mais cruéis torturadores”


01/04/2022


  Por Cid Benjamin, vice presidente da ABI e ex-preso político
      Durante o governo FHC, o coronel Armando Avólio Filho foi nomeado adido militar no Grã-Bretanha. Ele tinha sido um dos principais torturadores de presos políticos no DOI-Codi do Rio no início dos anos 70. O grupo Tortura Nunca Mais teve conhecimento da nomeação e o denunciou publicamente.
          O próprio Avólio não se manifestava, mas era defendido pelo Exército e pelo governo.
          Eu trabalhava no Globo e me ofereci para reforçar a denúncia num texto assinado.
          A direção do jornal aceitou e meu artigo foi publicado em 26/5/1995.
          Avólio foi exonerado e transferido para a reserva na mesma semana.
“Um dos mais cruéis torturadores”
          “Alto, forte, quase sempre de óculos escuros e camisetas justas que destacavam seus bíceps musculosos, o tenente Avólio não se preocupava em destacar a extrema vaidade. Até seu codinome, suspeito, a denunciava: Apolo, o deus grego da beleza. Mas Avólio tinha outra característica: era um dos mais cruéis torturadores do DOI-Codi no início dos anos 70.
          “Eu o conheci na mesma noite em que fui preso, em 21 de abril de 1970. Como estava ferido na cabeça por dezenas de coronhadas e perdia muito sangue, chegou a ser aventada a hipótese de me levarem primeiro para o Hospital Central do Exército. Mas, como de praxe, venceram os “duros” e fui direto para o DOI-Codi. O tenente-médico Amilcar Lobo foi chamado e, lá pelas tantas, as torturas foram suspensas para que eu levasse 15 pontos na cabeça. A frio, naturalmente. Mas, para quem estava no pau-de-arara, levando choques em todas as partes do corpo e sendo afogado, não deixou de ser um alívio. Foi aí que percebi, pela primeira vez, a existência de Avólio. Revoltado com o fato de um médico estar me atendendo, ele dizia que eu deveria “morrer como um porco, sangrando”. Para tal, assegurava, bastava que me pendurassem de cabeça para baixo.
          Mais tarde, já de madrugada, numa pausa das torturas, Avólio me algemou os pulsos numa madeira rente ao chão, e quebrou meia dúzia de vassouras nas minhas costas, enquanto nos xingávamos mutuamente. Estava inteiramente fora de si. Eu, apesar de tudo, não podia deixar de festejar a sua histeria. Enquanto ele descarregava seu ódio, eu não estava pendurado, levando choques ou sendo afogado.  Não deixava de ser um lucro.
          Nos dias seguintes, Avólio se destacou pelo ódio que me dedicava e que não fazia questão de esconder. Um de seus passatempos prediletos era amarrar fios em partes do meu corpo e ligar suas extremidades numa tomada. Enquanto eu, nu e amarrado, rolava pelo chão ou corcoveava no pau-de-arara, ele fazia galhofas:
          – Deve estar faltando energia porque ele não acende.
          O então tenente e hoje coronel Avólio não foi o único militar que se dedicou a torturar presos políticos. Ao contrário, aquela engrenagem produziu uma infinidade de avólios. Eles são responsáveis por assassinatos e por traumas em, talvez, em milhares de pessoas que até hoje estão marcadas pela tortura. Mas, apesar disso, não lhes tenho ódio pessoal. E se, aqui, lembro esses fatos é porque quanto mais o país conhecer o que se passou naquele período, mais anticorpos estaremos criando na sociedade para que eles não se repitam. É isso – e só isso – o que me faz prestar esse depoimento.