Campanela Neto – O pai do Prêmio Esso


01/09/2015


Em 1959, um grupo de militares rebeldes da Aeronáutica sequestrou em pleno voo o avião em que estava o repórter-fotográfico Campanela Neto.
A aeronave foi desviada de sua rota e levada para Aragarças, atualmente Município do Estado de Tocantins. Na ocasião, todos os rebeldes se deslocaram para lá, na tentativa de organizar um levante contra o Governo do Presidente Juscelino Kubitschek. Com sua câmera sempre à mão, Campanela registrou cada momento da conspiração, até ser desmantelada pelo Exército. E, na rendição do grupo, fez uma foto que o tornaria conhecido em todo o País e se tornaria um documento histórico.
Mas a aventura não lhe rendeu apenas reconhecimento. A foto que documenta a rendição dos insurgentes mereceu voto de louvor do Prêmio Esso em 1960, quando ainda não existia distinção específica para fotografia. Cientes da injustiça e da necessidade de valorizar a cobertura visual, tão importante para o jornalismo moderno, os responsáveis pela premiação criaram a nova categoria no ano seguinte. Assim, apesar de nunca ter recebido o troféu, Campanela passou a ser chamado de “pai do Prêmio Esso de Fotojornalismo”.
Por essas e outras, Francisco Campanela Neto, falecido em 28 de fevereiro de 2006, aos 75 anos, deixa saudades naqueles que acreditam que a fotografia serve não apenas para ilustrar um texto e, sim, é parte decisiva do conteúdo transmitido pelo reportagem. Com essa visão, ele começou cedo no jornalismo fotográfico, em meados dos anos 40, em São Paulo. Mais tarde, mudou-se para o Rio, onde fez carreira no jornal A Noite, na revista Mundo Ilustrado e, especialmente, no Jornal do Brasil.
— O Alberto Ferreira foi o editor de Fotografia e o Campanela, o subchefe por mais de 20 anos do JB. Ele era da velha guarda, um profissional que respeitava, auxiliava e valorizava o trabalho dos colegas – conta Evandro Teixeira, fotógrafo do Jornal do Brasil desde 1972 e colega de Campanela.
Apesar de nunca terem trabalhado juntos, o veterano Antônio Nery, fotógrafo com passagem por revistas como Manchete, Fatos e Fotos e Jóia e pelos jornais Última Hora, O Dia, Folha da Tarde, Folha de S. Paulo e O Globo, confirma a fama do amigo:
— O ano era 1956. Fiz uma foto da Dalva de Oliveira cantando no auditório da Rádio Tupi, durante o programa do Carlos Frias. Era meu primeiro filme como repórter profissional, mas não tinha onde revelar. O Campanela revelou o filme para mim e daí surgiu a amizade. Nunca trabalhamos juntos, pois logo em seguida ele foi para o JB, onde atuou por muitos anos.
Campanela conquistou respeito e admiração em sua carreira não apenas por causa da qualidade de seu trabalho, mas principalmente devido a seu caráter:
— Trabalhei com vários profissionais da área, mas nunca vi um caráter tão fascinante. Ele era amigo dos amigos. Além disso, apesar da pouca instrução formal, tinha uma cultura vasta que não encontrei em mais ninguém e que fez com que olhasse para fatos comuns com um olhar refinado e imprevisível – diz a viúva do fotógrafo, Ruth Campanela, ressaltando que ostenta o sobrenome com muita honra.
Ela ainda guarda diversas pastas com imagens registradas pelo marido, que conheceu na época em que ele era subeditor de Fotografia do JB e ela trabalhava na Assessoria de Comunicação do Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro – Iaserj. Em 27 anos de casamento, ela deixa claro com sua emoção que aprendeu não apenas a admirar o profissional, mas também o homem.
Em dezembro de 2005, Campanela foi homenageado com uma placa de prata na abertura da exposição fotográfica em comemoração ao 50º aniversário do Prêmio Esso, realizada no Centro Cultural da Justiça Federal, no Rio. Depois, na festa de premiação, ele foi escolhido para fazer a entrega do Prêmio Esso de Fotojornalismo do ano
ao vencedor, Evandro Monteiro, autor do trabalho Guerra no Centro. Na ocasião, falou sobre o lendário episódio de Aragarças e deu uma aula sobre como sangue-frio e paciência podem fazer a diferença no fotojornalismo:
— Esta aventura está entre as melhores recordações da minha vida e a criação do Prêmio Esso foi um grande reconhecimento ao meu trabalho.
De vez em quando, acordo à noite pensando naqueles momentos e confesso que ainda sinto arrepios. Foi naquele voo que testemunhei talvez o primeiro sequestro de avião de passageiros do mundo. Estávamos em pleno voo, quando os militares rebeldes tomaram de assalto o avião, desviando-o para Aragarças. Graças à minha habilidade e calma, consegui registrar diversos flagrantes da rebelião até à rendição dos rebeldes.