Os crimes praticados por agentes públicos durante o regime militar são os temas centrais de um seminário internacional sobre a Operação Condor, que está sendo realizado na Câmara dos Deputados, com a participação de jornalistas, parlamentares e pesquisadores de Argentina, Brasil, Chile, Paraguai, Uruguai e Estados Unidos. O seminário foi aberto nesta quarta-feira, 5 de julho, e vai até quinta-feira, 6 de julho.
O evento é uma iniciativa da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça ― vinculada à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara ―, que é presidida pela Deputada Luiza Erundina (PSB-SP).
A deputada disse à Agência Câmara que um dos objetivos do seminário é provocar o engajamento da sociedade civil no debate, para ajudar a pressionar as autoridades e tornar possível a revisão a Lei da Anistia (
6.683/79), visando à punição dos agentes do regime militar que torturaram presos políticos.
Lançada em 1960, a Operação Condor foi uma aliança político-militar entre as ditaduras de Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, cujo objetivo era fazer uma repressão coordenada dos opositores dos regimes ditatoriais na América do Sul, eliminando seus líderes.
Os convidados internacionais do seminário são a jornalista chilena Mónica González, fundadora e diretora da fundação Centro de Investigación Periodística; o ex-militante uruguaio Victoria del Pueblo (PVP) e o Deputado Luiz Puig Cardozo (PVP); o Juiz federal argentino Daniel Rafecas, autor de obras sobre a Operação Condor.
Também vieram ao Brasil participar do evento, o médico e militante pelos direitos humanos no Paraguai, Alfredo Boccia Paz; a professora e pesquisadora da universidade de Long Island (Nova York, EUA), J. Patrice McSherry, autora de livros sobre as ditaduras militares na América do Sul; e Jair Krischke, ativista brasileiro pela defesa dos direitos humanos no Cone Sul.
Anistia
A Deputada Luiza Erundina considera escasso o conhecimento da sociedade brasileira sobre a Operação Condor. Segundo ela, cabe aos Governos dos países sul-americanos que organizaram esse movimento de repressão “uma posição pública de perdão sobre essa operação”:
― Quem sabe essa iniciativa, de trazer especialistas desses países, possa fazer avançar a justiça de transição, afirmou a deputada.
Erundina reconhece que não há clima político para alterar a Lei da Anistia, mas acha que a pressão popular poderá tornar esse desejo possível:
― Forçaremos no limite do poder dos nossos mandatos para não somente descobrir os torturadores, mas fazê-los pagar por isso, afirmou.
Luiza Erundina espera que todos os estados brasileiros criem as suas Comissões da Verdade para apurar os crimes cometidos durante a ditadura (1964-1985), a exemplo do que fizeram as Assembléias Legislativas de Amazonas, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Minas, Mato Grosso, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. Para a deputada, essa iniciativa ajudaria a pressão pela mudança na legislação.
Em abril o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a Lei de Anistia beneficia tanto os militantes da esquerda quanto os agentes da repressão. A Deputada Luiza Erundina tem uma proposta diferente, e por isso formulou um projeto (PL
573/11) pedindo a revisão da lei, para que os agentes públicos sejam excluídos da anistia relativa aos crimes políticos cometidos durante a ditadura.
O texto do projeto de lei de Erundina foi rejeitado pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara, em setembro do ano passado, e está sendo examinado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Ameaça
O Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, falou sobre a importância de a sociedade civil buscar informações sobre as causas e o funcionamento dos regimes ditatoriais, para evitar o retorno da repressão. Segundo Abrão, apesar da atual estabilidade democrática vivida no Brasil, o desencadeamento de movimentos internacionais poderia reacender o fogo do autoritarismo.
Ele lembrou que as ditaduras na América Latina foram instaladas no período da Guerra Fria, fruto de um movimento liberal (capitalista, puxado pelos Estados Unidos) que temia que os países fossem tomados pelo comunismo:
― As ditaduras no continente latino-americano são resultado do mesmo movimento da Guerra Fria. Não partir dessa origem é ignorar que o contexto internacional condiciona o contexto nacional, disse Abrão.
Ele acrescentou que mesmo que o Brasil viva atualmente uma estabilidade democrática, com alternância de poder de grupos distintos, seria adequado que se considerasse que, independentemente das concepções internas do País, um movimento internacional poderia contaminar os Estados. “Precisamos construir fortalezas para evitar que isso ocorra novamente”, declarou Paulo Abrão.
Em 1992, foi descoberto no Paraguai o “arquivo do terror” da Operação Condor, que reúne quatro toneladas de documentos, entre diários, correspondências, fotos e toda a dinâmica da operação, que se agravou com o golpe militar no Chile, em 1973, que derrubou o Governo socialista de Salvador Allende.
Apesar do farto material encontrado sobre a Operação Condor ― mais de 60 mil documentos, totalizando 593 mil páginas microfilmadas pelos regimes ditatoriais ―, até hoje não se tem informação exata sobre o número de vítimas da Operação Condor.
As estimativas são de que durante o movimento de repressão 50 mil pessoas foram mortas, 30 mil desapareceram e 400 mil foram presas. Um levantamento do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), de Porto Alegre, sobre investigações oficiais realizadas por comissões independentes apresenta números diferentes: 13 mil 960 mortos e desaparecidos políticos no Cone Sul.
* Com informações da Agência Câmara e da Agência Brasil.