Brasil será julgado na Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo assassinato de trabalhador rural no Paraná


26/06/2022


Monumento criado por Oscar Niemeyer em homenagem a Antonio Tavares e vítimas do latifúndio.

Foto: Wellington Lenon MST-PR

Nos dias 27 e 28 de junho a Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA), julgará o Estado brasileiro pela omissão e não responsabilização dos envolvidos no assassinato do trabalhador rural Antonio Tavares e às lesões sofridas por 185 integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) por parte de agentes da Polícia Militar, durante a repressão de uma marcha pela reforma agrária realizada em 2 de maio de 2000, na Rodovia BR-227, em Campo Largo (PR).

A audiência integra o 149ª Período de Sessão Ordinária da Corte IDH e acontece em San Jose, na Costa Rica, sede da Corte. Na segunda-feira a audiência inicia às 17h30 (horário de Brasília) e na terça-feira, às 11h (horário de Brasília), com transmissão ao vivo pelo canal da Corte IDH no YouTube.

Ainda que o caso não tenha ocorrido durante o governo de Jair Bolsonaro, cabe à atual gestão responder  – enquanto Estado – ao julgamento.

O episódio é considerado pelo MST “um dos momentos mais emblemáticos do processo de violência e de criminalização na luta pela terra”. O assassinato de Antônio Tavares e as lesões corporais sofridas pelas demais vítimas permanecem impunes. Diante disso, em fevereiro de 2021 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) encaminhou o caso à jurisdição da Corte. As organizações Terra de Direitos e Justiça Global são as peticionárias da ação na Corte.

Desde 2014, os denunciantes originários do caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Justiça Global, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP) e Terra de Direitos, e o Estado brasileiro iniciaram tratativas para tentar buscar uma solução amistosa, mas foram todas frustradas. Deste modo, os peticionários, solicitaram à CIDH que o caso fosse levado à Corte.

A família de Antonio Tavares espera que o julgamento do caso pela Corte resulte, após 22 anos do fato, em justiça. “A família espera que haja justiça. Com relação à morte, a gente sabe que não tem retorno, mas que haja justiça na reparação à família, a esposa e filhos que ficaram jogados sem ter o companheiro. A indignação é tamanha, ele foi assassinato brutalmente”, destaca o irmão, Antônio Tavares Irmão.

Para José Damasceno, da coordenação estadual do MST-PR, a audiência na Corte Interamericana é uma oportunidade de “denunciar para o mundo o descaso do Estado brasileiro no trato com os movimentos sociais e a forma como agride e reprime aqueles que lutam legitimamente por seus direitos neste país. Por isso esperamos que seja feita justiça”, conclui.

Para a integrante da coordenação nacional do MST, Ayala Ferreira, a intensa violência empregada por agentes de segurança pública contra os manifestantes é emblemática sobre como o estado brasileiro trata quem reivindica direitos. “O que ocorreu no Paraná expressa lamentavelmente o que ocorre contra trabalhadoras e trabalhadores que lutam por terra e reforma agrária no país, a violência direcionada do estado para coibir níveis de organização e de lutas em defesa da democratização da terra, da reforma agrária ou em defesa dos direitos das pessoas, sobretudo, as pertencentes às camadas populares”. destaca Ayala. “A luta não pára neste país de desigualdades, a esperança está nas pessoas que continuam a luta”, complementa Tavares Irmão.

O presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e coordenador da Terra de Direitos, Darci Frigo, também estabelece conexões entre a realidade presente no contexto da intensa repressão aos manifestantes e os tempos atuais. “Estamos vivendo o pior momento de possibilidade de garantia de direitos de acesso à terra. Os órgãos responsáveis por regularizar áreas territórios quilombolas, fazer a reforma agrária ou demarcar terras indígenas estão proibidos pelo próprio presidente da república de exercitar comandos constitucionais que determinam a reforma agrária, titulação quilombola. Não há possibilidade concreta de avanço de direitos. Enquanto isso, no Congresso Nacional, há uma agenda de retirada de direitos. Essa combinação explosiva de ausência total de políticas sociais resulta, cada vez mais, em um ataque ao pacto constituinte de 1988”, conclui.

“Além da responsabilização e reparação às vítimas, o julgamento do caso na Corte IDH é uma oportunidade para buscarmos medidas para que novos casos de violência contra defensoras e defensores de direitos humanos não se repitam. Nesse sentido, as organizações peticionárias pedem que a Corte determine ao estado brasileiro mudanças na forma de investigação e processamento destes casos pelo nosso sistema de justiça, visto que a ausência de mecanismos que garantam, por exemplo, a participação das vítimas e familiares nas investigações contribuem para a impunidade da enorme maioria dos casos”, complementa a coordenadora da Terra de Direitos, Luciana Pivato. Ela ainda destaca que as organizações reivindicam na ação que sejam adotadas medidas de fortalecimento da Política de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos.

O caso Antônio Tavares é o terceiro a ser analisado pela jurisdição da Corte Interamericana envolvendo trabalhadores rurais sem terra. Em 2009, a Corte considerou o Brasil culpado pela não responsabilização dos envolvidos no assassinato de Sétimo Garibaldi, agricultor morto em 1998 durante um despejo ilegal de um acampamento do MST, em Querência do Norte, também no Paraná. No mesmo ano, a Corte também condenou o Brasil pelo uso de interceptações telefônicas ilegais em 1999 contra associações de trabalhadores rurais ligadas ao MST, também no Paraná.

Sobre a audiência

O julgamento contará com a participação da viúva de Antonio Tavares, Maria Sebastiana e também da vítima Laureci Leal. Além de escutar o grupo que estava presente no dia da ação, a Corte vai ouvir as organizações peticionárias, peritos e o estado brasileiro. Com mais de uma centena de vítimas e testemunhas do caso, a Corte recebeu mais depoimentos escritos ao longo da semana.

Os representantes das vítimas na Corte IDH solicitam que o Estado brasileiro adote medidas de justiça, reparação, memória e não repetição para os familiares de Antonio Pereira e para os 185 agredidos, além da extinção da Justiça Militar, da destinação de terras públicas para a realização da Reforma Agrária, entre outras medidas para promoção dos direitos humanos que visem a proteção dos defensores e lideranças sociais, bem como o combate da violência no campo.

SERVIÇO

Audiência na Corte Interamericana de Direitos Humanos: caso “Antonio Tavares Pereira e outros vs Brasil”
Dia 27/06, a partir das 17h30 (horário de Brasília).
Dia 28/06, a partir das 11h (horário de Brasília).
Transmissão ao vivo no Canal da CorteIDH, do MST, da Terra de Direitos e da Justiça Global no YouTube.