Autor da foto do “suicídio” de Vlado depõe na CNV


Por Cláudia Souza*

28/05/2013


Silvaldo Leung Vieira em visita à antiga sede do DOI Codi (Foto: Alice Vergueiro/Futura Press/Estadão Conteúdo e Reprodução/Globo News)

Silvaldo Leung Vieira em visita à antiga sede do DOI-Codi (Foto: Alice Vergueiro/Futura Press/Estadão Conteúdo e Reprodução/Globo News)

O ex-fotógrafo da Polícia Civil Silvaldo Leung Vieira, 59 anos, autor da histórica fotografia do “suicídio” de Vladmir Herzog, registrada em 25 de outubro de 1975, nas dependências do Destacamento de Operações de Informações e Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) retornou na manhã desta segunda-feira, dia 27, à antiga sede do órgão, localizada na Rua Tutóia, bairro Paraíso, na Zona Sul de São Paulo, onde atualmente funciona o 36º Distrito Policial de São Paulo.

A atividade foi organizada pela Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo, e contou com a presença do Vereador Gilberto Natalini (PV), Presidente da Comissão, preso durante e ditadura, e de outros ex-presos políticos, entre os quais Emílio Ivo Ulrich e Maria Amélia Teles. O grupo esperava que o fotógrafo ajudasse a reconstituir a cena do crime e a esclarecer as circunstâncias da morte de Herzog.

Silvaldo Leung Vieira reconheceu o prédio onde registrou a imagem de Herzog, mas não localizou a cela onde a cena do suicídio do jornalista foi montada.

De acordo com os representantes da Comissão da Verdade e os ex-presos políticos, os espaços onde os militantes permaneciam detidos foram reformados, mas algumas salas onde eram realizadas as sessões de tortura foram mantidas e hoje funcionam como locais de trabalho ou estão desocupadas. As modificações promovidas no prédio dificultaram o reconhecimento por Silvaldo do local exato onde Herzog foi fotografado.

Silvaldo contou que aos 22 anos se matriculou no curso de fotografia da Polícia Civil. Na segunda semana de aula, foi chamado durante a madrugada para fazer uma foto.

— Achei que fosse um treinamento. Usei uma câmera Minolta SLR. Disseram que era para retratar um encontro de cadáver. Eu não estava preparado para aquilo. A gente ouvia falar (da tortura), mas eu não tinha vivido nada daquilo tão perto de mim. Tudo demorou menos que cinco minutos. Era, talvez, entre quatro e cinco horas da manhã. Estava escuro. Caminhei por um corredor de celas até a porta de onde vi Herzog. Tive tempo para apenas dois cliques dali da porta. O que chamou a minha atenção foi o fato de ele estar com os dois pés no chão. É difícil cometer suicídio assim. Normalmente você se dependura em algum lugar.

O ex-fotógrafo afirmou que não sabia de quem se tratava, mas que depois percebeu que era o corpo do ex-diretor da TV Cultura, cuja morte causou comoção. Segundo Silvaldo, parte da turma de 20 alunos do curso de fotografia foi convocada para registrar imagens dos participantes da missa em homenagem a Vlado, realizada na Catedral da Sé.

A foto de Silvaldo foi anexada a documentos oficiais para provar que o jornalista, militante do Partido Comunista Brasileiro, havia cometido suicídio. Contudo, a imagem se transformou em um instrumento de denúncia das torturas durante a ditadura militar.

Manoel Fiel Filho

Silvaldo contou aos membros da Comissão da Verdade que foi chamado para retratar outro falso suicídio, o do metalúrgico Manoel Fiel Filho, em janeiro de 1976.

— Eu estava muito nervoso. Cheguei a dizer que, naquele lugar (prédio do DOI-Codi), aconteciam coisas estranhas. De repente me mandaram embora e a foto não feita. Não me disseram nada. Fiquei com medo.

Silvaldo terminou o curso de fotografia três meses depois e continuou executando serviços para a polícia até 1979, ano em que se mudou para os Estados Unidos, onde permanece até hoje. Trabalhou durante anos como joalheiro e atualmente está empregado num centro de acolhimento para mães solteiras, mantido pela Igreja Católica.

—A imagem de Vlado e os três anos em que trabalhei para a polícia foram decisivos para que eu deixasse o país, disse o ex-fotógrafo.

O primeiro depoimento público de Silvaldo Leung Vieira sobre a foto de Vlado ocorreu em fevereiro de 2012, quando ele foi localizado em Los Angeles pelo repórter Lucas Ferraz, da Folha de S. Paulo. O ex-fotógrafo repetiu na Comissão da Verdade as declarações feitas ao jornal.

— Ainda carrego um triste sentimento de ter sido usado para montar essas mentiras, declarou Silvaldo à Folha de S. Paulo, na ocasião.

Cúmplice

Filho do jornalista Vladimir Herzog, Ivo Herzog afirmou nesta terça-feira, 28, após o depoimento Silvaldo Leung Vieira à Comissão da Verdade, que o fotógrafo foi “conivente” com a ditadura.

-Ele foi cúmplice de um momento terrível da história do Brasil, escolheu fazer o que fazia e permaneceu calado por muitos e muitos anos, apesar de saber das torturas e assassinatos que eram praticados pelo regime repressor.

*Com informações da Gazeta do Povo, O Globo, G1, Estadão, Folha de S. Paulo.