Por Igor Waltz*
17/07/2014
A Associação Brasileira de Imprensa recebe, nesta sexta-feira, 18 de julho, em sua sede, o Ato em Defesa do Horto contra as remoções e o Terrorismo Midiático. O evento acontece a partir das 18h, no 7º andar da ABI, na Rua Araújo Porto Alegre, 71 – Centro. Centenas de famílias que vivem nas cercanias do Horto há décadas estão sendo ameaçadas de despejo na área, com o argumento de dar lugar a novas instalações do parque, segundo mais novo projeto de expansão. A Rede Globo possui sede no mesmo local e demonstra planos de expansão de território.
Os moradores acusam a cobertura midiática de promover a desinformação. Veículos estariam afirmando que a região estaria ameaçada por um processo de favelização. “Não podemos permitir e nem devemos nos render ao terrorismo que a imprensa suja e manipuladora vem fazendo conosco. Vamos mais uma vez difundir nossa história, vamos bradar nossa verdade em alto e bom som, mostrando que estamos ao lado da verdade e não deixaremos NINGUÉM arrancar nossas raízes!”, afirma o comunicado do movimento SOS Moradores do Horto.
Mais informações sobre o evento no link.
No artigo abaixo, o deputado federal e ex-ministro da Secretaria Especial de Políticas Públicas da Igualdade Racial, Edson Santos (PT-RJ), traça uma perspectiva histórica das remoções no Rio e defende a permanência dos moradores do Horto.
“A unha encravada da cidade
No final do século XIX, uma combinação de acontecimentos influenciou decisivamente a formação dos espaços urbanos no Brasil. O fim da escravidão empurrou os negros do campo para as cidades e, simultaneamente, estimulou o desembarque no Brasil de centenas de milhares de imigrantes europeus. A população urbana crescia em ritmo acelerado e pressionava a demanda por moradia e serviços públicos.
Naquele cenário, ganhou força junto às elites a ideia de transplantar para nossas cidades o modelo de planejamento de Paris, capital da França, que combinava saneamento, embelezamento, circulação e segregação territorial. O que foi colocado em prática no Rio de Janeiro durante a reforma urbana promovida pelo prefeito Pereira Passos (1902-1906), e trouxe como consequências a remoção de diversas famílias pobres das áreas centrais, o surgimento das primeiras favelas e o adensamento dos subúrbios cariocas.
As remoções forçadas no Rio continuaram nas décadas seguintes, impulsionadas pela especulação imobiliária, e viriam a consolidar o estigma de cidade partida, étnica e socialmente compartimentada. Uma trajetória só interrompida na redemocratização, ao final do século XX, quando teve início um processo de intensa mobilização social para a construção de uma nova cultura de direitos. A moradia, um de seus elementos fundamentais, foi enfim consagrada enquanto direito fundamental na Constituição de 1988, contrapondo-se ao modelo de urbanização excludente que concentrou grandes contingentes de pessoas pobres nas áreas periféricas, sem jamais integrá-las efetivamente à malha das cidades. A partir de então, as comunidades populares passaram a ser encaradas como territórios a serem incorporados à cidade.
O Brasil, no entanto, é um país em transição. Sob muitos aspectos somos uma nação moderna, pronta para um novo salto de desenvolvimento com distribuição de renda e erradicação da miséria. Mas ainda possuímos considerável contingente de ouvidos sensíveis a ideias retrógradas, como é o caso das remoções. A elite econômica de hoje, assim como os patrimonialistas do passado, advogam que há um preço para estar perto do progresso. Como o trabalhador não pode pagar por esse preço, ele não tem o direito de morar próximo ao seu local de trabalho ou perto das melhores escolas, hospitais e outros serviços da cidade. A “solução” defendida é a aplicação da velha receita: uso da força, pé na porta e caminhão de mudança. Forçando as famílias a recomeçar suas vidas em locais nos quais as carências de todos os tipos e a escassez de direitos são as principais características. Não resolve o problema, mas ao menos o torna invisível, aumentando a cotação da cidade para venda nos stands globais.
A liberação de terra bem localizada para grandes negócios tem levado a um aumento exponencial de remoções forçadas. O conflito fundiário que hoje aflige a tradicional comunidade do Horto Florestal, na Zona Sul do Rio, é emblemático neste sentido. É claro o incômodo entre os “poderosos” da região com as medidas tomadas no sentido de conciliar a expansão do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico (IPJB) com a garantia dos direitos das famílias que ali se encontram. Para os defensores da remoção, que acobertam o desejo de promover uma limpeza étnica e social da região com o biombo de uma suposta “preservação do meio ambiente”, as conquistas no campo do direito à moradia devem ser ignoradas ou tratadas de forma seletiva.
O maior absurdo na argumentação dos que defendem a remoção é a tentativa de inverter a historicidade da região. Não é verdade que os moradores são “invasores”. Tanto o Horto quanto o Jardim Botânico estão em área da União que, até muito recentemente, não possuía limites formais demarcados. A principal motivação declarada do conflito é justamente a intenção do IPJB de expandir sua área de visitação sobre terras que, pela visão do Governo, poderiam cumprir outra função social. No entanto, embora estudos acadêmicos sérios indiquem que é perfeitamente possível conciliar estes interesses, a comunidade continua a ser rotulada como um corpo estranho, uma unha encravada que deve ser removida para a purificação da cidade.
O direito à moradia no Horto está ancorado em ampla legislação, nacional e internacional, que garante aos moradores a permanência e a posse da terra. Esperamos que o Governo reveja a equivocada decisão de remover a comunidade, pois a desconstituição de direitos abre precedentes perigosos: sabemos como começa – sobre os mais vulneráveis –, mas é difícil prever como pode terminar.”