Atlético Mineiro — cem anos (II)


09/05/2008


              Guará, Florindo e Kafunga

Durante esses cem anos, muitos jogadores se tornaram ídolos da torcida atleticana. Falaremos sobre alguns nessa nossa homenagem ao Atlético Mineiro e à sua imensa e apaixonada torcida.

Em 1936, a CBD reuniu os campeões do Rio, São Paulo, Minas e Espírito Santo num torneio que a entidade reconheceu como o primeiro campeonato brasileiro. Os participantes eram o Fluminense, a Portuguesa de Desportos, o Atlético Mineiro e o Rio Branco. Numa final emocionante, o Atlético venceu a Portuguesa por 3 a 2, em São Paulo.

Integrava o time atleticano um jogador que até hoje é considerado um dos maiores ídolos do clube: Guará. Conterrâneo do famoso compositor Ari Barroso, o grande atacante nasceu em Ubá, no dia 4 de janeiro de 1916. Aos 13 anos, vestia a camisa do Aimorés. Dois anos depois, partiu para Miraí, onde passou a receber algum dinheiro, defendendo o clube da cidade de Ataulfo Alves, outro extraordinário compositor.

Com 17 anos, após retornar a Ubá, o jovem Guaraci Januzzi foi levado para o Atlético Mineiro pelo craque Nicola. A estréia foi contra o Tupi, de Juiz de Fora. O futebol de Guará era enaltecido por torcedores e jornalistas. O jogador passou a ser conhecido como “Perigo Louro” ou “Demônio Louro”.

O clássico entre Atlético e Palestra (atual Cruzeiro) estava marcado para o dia 4 de junho de 1939. A expectativa das duas torcidas era o duelo entre Guará e o zagueiro Caieira. No Estádio de Lourdes lotado, os torcedores rivais faziam as suas apostas e a pergunta ficava no ar: Caieira conseguirá parar Guará? Este era o clima do clássico.

A partida transcorria bem disputada e num ataque atleticano a bola foi alçada na área. Guará cabeceou e Caieira testou a nuca do atacante. Os dois caíram, o zagueiro se levantou meio tonto e Guará ficou caído. A preocupação com o estado de saúde do artilheiro tomou conta da torcida. Levado para o hospital, Guará passou as primeiras 72 horas em estado de choque e um mês inconsciente.

Quando retornou aos gramados, não conseguiu ser mais aquele atacante goleador. No ano seguinte, tentou recuperar seu futebol no Flamengo, onde ficou apenas seis meses, e ao retornar a Belo Horizonte vestiu a camisa do Siderúrgica. Com 23 anos, o jovem Guaraci sentiu que não dava mais para continuar jogando e seu grande futebol passou a fazer parte da lembrança dos torcedores mineiros, especialmente dos atleticanos que tanto vibraram com seus gols. 

No gol 

Contemporâneo de Guará na campanha dos títulos estaduais mineiros de 36 e 38, Olavo Leite Bastos, o Kafunga, foi outro grande ídolo da torcida atleticana. O garoto Olavo era ruim de bola e, quando seus companheiros do Fluminense de Niterói ameaçavam tirá-lo do time, ele dizia: “Se eu não jogar, levo a bola.” Depois de tentar várias posições, Kafunga finalmente acertou como goleiro. Em meados de 1933, já era titular do Fluminense e disputava o campeonato de Niterói. No ano seguinte, suas boas atuações o levaram a seleção do Estado do Rio que disputou o campeonato brasileiro. As qualidades de Kafunga despertaram o interesse dos dirigentes do Atlético Mineiro, que o contrataram no início de 1935. Foram 19 anos defendendo as cores atleticanas e muitos títulos conquistados.

Na coleção de Kafunga estão os títulos estaduais de 1936, 39, 41, 42, 46, 47, 49, 50, 52, 53 e 54. Apenas em 1948 ele deixou de ser o goleiro menos vazado do campeonato mineiro. Após encerrar a carreira de jogador, permaneceu no Atlético, onde exerceu as funções de auxiliar técnico, gerente, assessor da Diretoria e representante do clube na Federação.

A forma simples de se dirigir ao torcedor e os conhecimentos sobre futebol fizeram de Kafunga o comentarista esportivo mais ouvido de Minas Gerais. Tive a oportunidade de conversar algumas vezes com ele e constatar a facilidade com que abordava os assuntos relacionados com o futebol. Em seus comentários, usava com freqüência as expressões “não tem coré-coré” e “o gol foi barra limpa”. Após sofrer cinco derrames, Olavo Leite Bastos nos deixava em 17 de novembro de 1991. Kafunga estará sempre presente na lembrança de todos os torcedores atleticanos.


Zé do Monte

 Zé do Monte

Os torcedores mais antigos continuam afirmando que José do Monte Furtado Sobrinho foi o maior centro-médio da história do futebol mineiro. Nascido em Abaeté, ele chegou ao Atlético com 18 anos e logo no primeiro ano sentiu o sabor de ser campeão. No ano seguinte, conquistou o bicampeonato e não chegou ao penta porque, em 1948, a série atleticana foi interrompida.

Bom na marcação e com lançamentos perfeitos, Zé do Monte era admirado por todos os atleticanos. Levava a torcida ao delírio quando entrava em campo com um galo carijó nas mãos para soltá-lo pelo gramado, a fim de mostrar que aquele terreiro tinha dono. As raízes mineiras e, especialmente, atleticanas foram mais fortes do que as propostas do Fluminense e do Palmeiras para contratá-lo. Depois de perder o título para o Vila Nova, em 1951, ele se sagrou tetracampeão mineiro — tetra mesmo, de 52 a 55. No auge da carreira, com 27 anos, o excelente médio atleticano estourou os meniscos e optou por não operá-los, preferindo se afastar do futebol.

Bom de drible

                           José Reinaldo

O garoto de Ponte Nova, José Reinaldo de Lima, conterrâneo do locutor esportivo e meu amigo José Cunha, infernizava desde cedo as defesas adversárias. Com 14 anos, em 1971, era apresentado a Barbatana, treinador do Atlético Mineiro. No primeiro treino, não tomou conhecimento dos zagueiros titulares, deixando-os tontos com seus dribles. No mesmo dia, Reinaldo assinava contrato com o Atlético Mineiro. Três anos depois, integrava a equipe titular como um dos maiores jogadores revelados nas divisões de base do clube.

As contusões passaram a fazer parte da vida profissional de Reinaldo. Primeiro foi a cirurgia para acabar com uma calcificação no tornozelo. A deslealdade de seus adversários, somada à omissão de muitos sopradores de apito, como dizia Mário Vianna, destruíram os meniscos de seu joelho esquerdo. Em 1976, operou os do joelho direito. Mesmo assim, apresentava ao Brasil seu extraordinário talento. Quando chegou a oportunidade de mostrar sua genialidade de craque ao mundo, na Copa de 78, as marcas das contusões sofridas o impediram. O primeiro joelho operado começou a inchar e ele se submeteu a nova cirurgia.

Reinaldo vestiu a camisa alvinegra até 1985, quando se transferiu para o Palmeiras, prosseguindo sua carreira até 1988, com passagens pelo Rio Negro, do Amazonas, e o Cruzeiro, além de jogar na Suécia e na Holanda. Mesmo com todos os problemas enfrentados, Reinaldo se tornou o maior atacante da história do Atlético. A torcida o saudava com o grito: ”Rei, rei, rei… Reinaldo é o nosso rei!” A resposta vinha com os gols e a comemoração com o braço direito erguido. Reinaldo integra o seleto grupo de supercraques do futebol brasileiro.