Assédio nas redações: um problema de difícil solução


05/09/2020


Jornalistas denunciam casos de assédio na profissão (Imagem: Internet)

Assédio nas redações: um problema de difícil solução

Por Moêma Coelho, membro da Comissão Mulher&Diversidade

“A discussão [do assédio nas redações] é essencial. O fato de a repórter ser mulher não pode, em nenhuma hipótese, se tornar um fator de risco para sua atuação profissional”, apontava em 2017 a diretora da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Maiá Menezes, quando da divulgação da pesquisa “Mulheres no Jornalismo Brasileiro”, da qual foi consultora executiva.

O projeto, realizado pela Abraji e pela Gênero e Número (plataforma que aborda questões de gênero a partir de dados), em parceria com o Google News Lab, objetivou mapear a violência e o assédio das profissionais de imprensa por fontes e nas redações, a partir de entrevistas com jornalistas em São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Além de grupos focais de discussão, houve um questionário mais abrangente, que recebeu respostas de 477 mulheres que atuavam em 271 veículos diferentes.

Segundo a pesquisa, 83,6% das respondentes já tinham sofrido algum tipo de violência psicológica, 65,7% tiveram sua competência questionada e 64% sofreram abuso de poder de chefes ou fontes. Além disso, 86% das mulheres entrevistadas vivenciaram algum tipo de discriminação de gênero no trabalho.

De 2017 para hoje, a situação não mudou muito, embora em alguns momentos haja mobilização das jornalistas. Um exemplo foi a campanha “Mulheres Jornalistas em Luta”, promovida pelo coletivo Jornalistas contra o Assédio, em comemoração do Dia Internacional da Mulher, que chegou aos trending topics do Twitter no Brasil em 10 de março deste ano. “Por todas as vezes que me chamaram de ‘menina’, ‘linda’, ou ‘querida’ quando eu fazia uma pergunta incômoda”, “pelo dia em que ouvi piadas machistas de jornalistas homens em eventos onde era a única mulher”, “por todas as vezes que o machismo fala mais alto do que o nosso direito de mostrar a verdade”, foram alguns depoimentos divulgados na rede por mulheres jornalistas.

Veronica Salustiano, membro da Coordenação Executiva Nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, diz que muitas jornalistas não denunciam o assédio (moral ou sexual) por medo de perder o emprego e ficarem “queimadas” em um mercado de trabalho cada vez mais restrito.

Em live do Sindicato dos Jornalistas de Tocantins, a advogada reconheceu que é muito difícil ganhar um processo de assédio moral na Justiça do Trabalho, no caso de empregado celetista. Para trabalhador sem vínculo empregatício, o caminho é processar o assediador por Injúria, Calúnia ou Difamação.

“É muito difícil conseguir comprovar assédio moral porque quando uma mulher comenta com outras pessoas que está sendo assediada, geralmente ouve: será que você não está exagerando?”, disse Veronica Salustiano.

Matéria publicada no Observatório da Imprensa, em março passado, sobre pesquisa de Janaina Moro, desenvolvida para seu mestrado na Universidade Municipal de São Caetano do Sul, apontou que as jornalistas naturalizavam o assédio e que as empresas não ofereciam canais próprios para as denúncias. A maioria das vítimas apenas revelou o ocorrido a um colega próximo.

Calar tem custo elevado.

O assédio pode provocar estresse, irritabilidade, perda de autoestima, ansiedade, depressão, apatia, perturbações da memória, perturbações do sono e problemas digestivos, levando, até mesmo, a casos de suicídio.

“Na redação, era comum ouvir o fulano comentando sobre os profissionais: passava uma repórter, ele chamava de gorda e mal vestida. Passava outra repórter, ele falava “Nossa, se você não fosse casada, hein”. Eu comecei a surtar mesmo, chorava dia e noite, não queria ir trabalhar, tinha crises diárias de ansiedade.(…) Cheguei a ser ameaçada no meio do local de trabalho. Ele gritou na frente de todos que os meus dias lá estavam contados. Mesmo com os abusos, eu tinha medo de denunciar para não sofrer retaliações. Ninguém queria se arriscar a ficar queimado e prejudicar a carreira”, escreveu a jornalista Maysa Ferreira.

A jornalista Savick Brenna explica, em depoimento em rede social, que é muito difícil o assediado identificar e admitir que foi vítima de assédio, além do medo de represálias.

“Nunca tive coragem de denunciar porque era a palavra de uma mera funcionária contra a palavra de um “chefe poderoso” que poderia prejudicar minha carreira jornalística em qualquer território nacional. Com esse pensamento, guardei tudo até a semana passada, quando vi a denúncia de uma jornalista contra ele”.

E foi a partir da denúncia da jornalista Ellen Ferreira, em entrevista ao Metrópoles, do assédio vivenciado por ela e por seus colegas na Rede Amazônica, afiliada da Rede Globo em Roraima, praticado pelo então gerente de Jornalismo, Edison Castro, que outras colegas em Tocantins se sentiram estimuladas a falar sobre os assédios sofridos, quando ele trabalhou na afiliada da Rede Globo local, a TV Anhanguera.

Em entrevista ao site Metrópoles, Ellen deu detalhes das práticas de Edison, as quais compuseram um dossiê com denúncias enviado ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de Roraima, assim como do e-mail enviado ao diretor de jornalismo da Rede Globo, Ali Kamel, no qual expunha o que acontecia na praça de Roraima. Os relatos vão desde assédios moral e sexual, a racismo, injúria racial, LGBTIfobia e gordofobia.

O mais trágico é que muitos gestores que foram vítimas de assédio, continuam repetindo o mesmo padrão de comportamento, como mostrou o jornalista Chico Felitti em matéria sobre assédio na Revista Vogue, publicada em 28 de agosto no site BuzzFeed News:

“Já houve uma fama de [eu] governar pelo terror. Eu fui governada pelo terror. Os grandes chefes de redação, e eu venho da imprensa diária, jornal. Então era: ‘Põe o ponto final agora!’, e mil palavras impublicáveis. Você recebe uma herança, até você conseguir se despir e ver quem você quer ser, leva um tempo”, disse Daniela Falcão ao programa de YouTube Garden Girls, em 2013.

Felitti escreveu que, na mesma entrevista do YouTube, uma das apresentadoras diz que conhece a equipe da Vogue, e que todos “adoram” Daniela. A então diretora de redação da Vogue responde: “Será que as pessoas gostam de apanhar?”.

O assédio sexual é mais fácil de comprovar. Em 3 de agosto passado, por exemplo, a promotora Maria do Carmo Galvão de Barros Toscano, do Ministério Público de São Paulo, denunciou o repórter Gerson de Souza pelo crime de importunação sexual contra quatro jornalistas da Record, todas na redação do programa “Domingo Espetacular”. A denúncia é resultado de investigação policial aberta em maio de 2019, quando 12 mulheres procuraram o departamento de Recursos Humanos da Record e afirmaram terem sido vítimas de assédio sexual por parte de Souza.

Vítimas recorrentes   

A diretora da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e membro da Comissão de Mulheres, Samira Castro, disse que, embora as jornalistas sejam vítimas recorrentes de assédios morais e sexuais nos ambientes de trabalho, há subnotificação de denúncias por temor de perderem o emprego.

“A Fenaj vê com muita preocupação essa subnotificação, tanto dos casos de violência contra mulheres jornalistas, como de denúncias de assédios moral e sexual nos locais de trabalho”, afirmou Samira.

Ela explicou que a “porta de entrada” das denúncias é o Sindicato local e que a Fenaj estimula os sindicatos filiados a criarem Comissão de Mulheres, estabelecendo canais de denúncia de assédio e acompanhamento jurídico e psicológico para as vítimas, sejam mulheres ou homens.

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro já tem sua Comissão de Mulheres, cuja representante junto à Comissão da Fenaj é Clarisse Meirelles, e tem duas denúncias de assédio moral em andamento.

Clarisse contou que o Sindjor-Rio fará uma pesquisa para mapear os assédios aos jornalistas cariocas (mulheres e homens) e, a partir daí, delinear as ações a serem tomadas. Também está planejando uma oficina (“virtual ou presencial, a depender da pandemia”) sobre os vários tipos de assédio, o que deverá acontecer entre outubro e novembro.

“O assédio sexual já é considerado crime e está tramitando no Senado o Projeto de Lei no 1521, de 2019, para tipificar como crime o assédio moral no ambiente de trabalho, estabelecendo pena de detenção de um a dois anos, além de multa pecuniária”, informou Clarisse.