As três mortes de Che segundo Flávio Tavares


19/10/2017


O lançamento do livro ‘As Três Mortes de Che Guevara’ (L&PM) no Rio de Janeiro acontecerá no dia 23 de outubro (segunda-feira) às 19h. Haverá um Bate-papo com o autor e a jornalista Miriam Leitão, seguido de autógrafos na Livraria da Travessa do Shopping Leblon.

No dia 9 de outubro de 1967. Che Guevara era executado na Bolívia e seu corpo magro exibido como um troféu.

Agora, exatos 50 anos depois, o escritor e jornalista Flávio Tavares desvenda os labirintos desse fim, lançando uma luz sobre as cinco décadas que permaneceram em segredo.

Em ‘As três mortes de Che Guevara’, Flávio Tavares adentra zonas nunca antes exploradas pelos biógrafos do revolucionário argentino, como o fato de Che ter sido abandonado por Fidel que cedeu às pressões russas e virou as costas ao antigo aliado. E revela por que, afinal, ele deixou Cuba e foi ao Congo, depois à Bolívia, em improvisações que o levaram ao fracasso.

O autor e seu personagem se conheceram em 1961, durante a Conferência Interamericana de 1961, em Punta del Este. Desde encontro, já havia nascido o livro Meus 13 dias com Che Guevara (L&PM Editores, 2013). Em sua nova obra, Flávio amplia a experiência pessoal que teve com Che e vai mais além, revelando depoimentos que ele colheu junto a testemunhas como o guerrilheiro que lutou com Che em Cuba, no Congo e na Bolívia; um coronel e um major bolivianos que o combateram e Dona Celia, mãe do revolucionário. Flávio Tavares reconstrói os passos de Che e mostra que, na verdade, sua morte foi um longo percurso: começou em Cuba, o fez agonizar no Congo e culminou na Bolívia.

A tese central do autor

 A tese central do autor é de que Che, ideólogo e estrategista que ajudou a levar Fidel Castro ao poder em Cuba, em 1959, acreditava fanaticamente em uma versão muito pessoal da revolução socialista, diversa da experiência soviética hegemônica na época. Teria, então, deixado Cuba em 1965, quando sua desconfiança da URSS ameaçava rachar a revolução cubana.

– Che acreditava na criação, pelo socialismo, de um “homem novo”, e via com maus olhos a burocracia partidária soviética – destaca Tavares. – Ele abandona Cuba, para deixar Fidel livre para se aproximar dos russos. Ele não seguiria o caminho soviético, então se sacrifica.

Essa é a primeira morte, a morte política dentro de Cuba, uma vez que sua figura havia se tornado inconveniente ao quadro geral da política cubana. A segunda, Tavares situa no Congo, para onde Che foi tentando implantar uma nova revolução – mas acabou forçado a abandonar o projeto também devido ao boicote soviético.

– Che Guevara foi uma grande vítima das disputas políticas daquele tempo, da Guerra Fria entre URSS e EUA e da própria disputa entre URSS e China para decidir quem conduziria o destino do comunismo internacional. Tanto que é a União Soviética que força a retirada dos cubanos da África –  afirma Tavares.

Para redigir o livro, Tavares amparou-se em anos de pesquisas e entrevistas realizadas em seu ofício de repórter. Uma das fontes do livro, Reque Terán, coronel boliviano que participou das ações de repressão à guerrilha, conversou longamente com o jornalista quando ambos estavam exilados na Argentina, nos anos 1970. O autor também falou ao longo dos anos com outros personagens cruciais da história, além de acompanhar a extensa produção biográfica que cerca o personagem. Visitou lugares significativos da história do Che e, quando finalmente se dedicou a colocar tudo no papel, levou apenas seis meses.

– Comecei em fevereiro deste ano e terminei em agosto. Antes disso, demorei 10 ou 12 anos pensando no tema. Eu faço uma distinção entre escrever, pensar o tema e redigir, que é a etapa braçal. Para escrever eu levo anos e para redigir levo umas semanas.

Tavares conheceu Guevara pessoalmente em agosto de 1961, quando acompanhou uma conferência da Organização dos Estados Americanos (OEA) realizada em Punta del Este, no Uruguai, à qual Guevara compareceu como enviado oficial de Cuba. Narrou a experiência em seu livro anterior, Meus Trezes Dias com Che Guevara. Essa visão remota em primeira mão também o ajudou a formar a imagem de Che expressa na biografia:

– Ele acreditava no socialismo como a construção de algo ético e tinha uma mentalidade de cristão dos primeiros tempos: inflexível.

O autor

Ex-militante da esquerda partidária da luta armada, foi um dos presos políticos trocados pelo embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, à época da ditadura militar brasileira.

Na juventude, foi aluno de colégio marista e ligado à Ação Católica. Aos 20 anos, Flávio foi eleito presidente da União Estadual dos Estudantes do Rio Grande do Sul. Formou-se em Direito, mas nunca atuou como advogado, trabalhando desde cedo na área de jornalismo. Foi comentarista político do jornal Última Hora, de Samuel Wainer, quando cobriu eventos importantes pelo jornal, como a Conferência da Organização dos Estados Americanos, em Punta del Leste, Uruguai, em 1961. Lá, conheceu Ernesto Che Guevara, que era o delegado de Cuba.

Foi também um dos fundadores da Universidade de Brasília. Ligado ao então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, Tavares foi preso pela primeira vez logo após o golpe militar de 1964. Foi solto logo depois. “No início, a ditadura aqui foi muito branda. Nos vigiava, mas garantia a liberdade de imprensa”, recorda. Mas não demorou para que Flávio passasse a conspirar contra a ditadura, na luta armada.

Entre 1967 e 1969, foi novamente preso, acusado de participar de uma ação armada para libertar presos políticos na Penitenciária Lemos de Brito, no Rio de Janeiro. “Aí, eu fui conhecer a tortura, que eu duvidava que acontecesse daquela forma. Desconfiava que era propaganda da esquerda para desmoralizar os militares”, confessa.

Em setembro de 1969 foi enviado para o exílio, no México, no grupo de prisioneiros trocados pelo embaixador Elbrick, sequestrado por integrantes das organizações clandestinas Dissidência Comunista da Guanabara e da Ação Libertadora Nacional.

Exílio

Nos anos 1970, durante o exílio, trabalhou no jornal mexicano Excelsior, pertencente a uma cooperativa de trabalhadores. Como correspondente do Excelsior, a partir de 1974 foi viver em Buenos Aires, onde também escrevia para o jornal O Estado de S. Paulo, assinando sob o pseudônimo de “Júlio Delgado”. Sua permanência na Argentina terminou em 1977, quando foi ao Uruguai para contratar um advogado para outro jornalista do Excelsior que fora preso lá. Em julho daquele ano, Flávio foi sequestrado por militares dos órgãos de repressão do uruguaios, passando 195 dias preso. Foi libertado graças à solidariedade do Excelsior e do Estadão. O jornal brasileiro mobilizou toda a imprensa para denunciar a prisão ilegal de Flávio. Sob pressão de uma campanha internacional, o governo do Brasil pediu sua libertação às autoridades uruguaias. O problema era que o jornalista não podia voltar ao Brasil e nem possuía passaporte, posto que fora banido do país em 1969. O impasse foi resolvido em janeiro de 1978, com a sua expulsão do Uruguai e a oferta de asilo feita pelo governo de Portugal, que havia passado recentemente pela Revolução dos Cravos. Assim, Flávio Tavares foi morar em Lisboa e só voltou ao Brasil com a anistia de 1979.

Atualmente, o jornalista vive e trabalha em Búzios. É professor aposentado da UnB e articulista dominical do jornal Zero Hora. É pai da fotojornalista Isabela e do cineasta Camilo, autor do filme O dia que durou 21 anos (2013).