05/10/2022
Por Elson Faxina, professor e pesquisador em comunicação da UFPR, associado da ABI (*)
Esta afirmação é resultado dos fatos, dos dados de um levantamento que fiz nesses dois dias pós-primeiro turno, revelando uma avalanche de Fake news.
Cansei de dizer nos quase 20 grupos de whatsapp que integro, todos criados neste período eleitoral e alguns integrados por gente graúda do PT, de que a estratégia de comunicação do bolsonarismo era eficiente e mudaria de 3% a 5% dos votos nos dois ou três dias que antecedem as eleições. Errei por pouco.
Eu não dizia isso por capacidade mediúnica, que não tenho, mas porque tenho amigas e amigos espalhados pelo Brasil, em movimentos sociais ou eclesiais, que me alertavam para o sistema complexo e eficaz que o bolsonarismo montou para falar com milhões de brasileiros que não tinham acesso ou deram adeus ao jornalismo verticalizado e passaram a acreditar numa comunicação mais direta, que vem de um líder local ou do amigo, que recebeu de seu amigo, que recebeu e outro amigo… Afinal, “se vem de amigo eu confio”.
Nefasto em 98% dos conteúdos, que misturam mentiras e uso de Deus em causa própria, o bolsonarismo montou uma rede de comunicação para chegar aos grotões do Brasil mais robusta do que a soma de todas as mídias hegemônicas que, sabemos, sempre tiveram o seu lado, que não é o da democracia. Essa rede se “profissionalizou” de 2018 para cá. Vamos primeiro aos fatos.
Um breve levantamento que realizei nas últimas 48 horas revela que, pelo menos, 16 disparos em massa de mensagens chegaram, em questão de minutos, a todos os cantos do país. Aponto aqui alguns.
No domingo, dia das eleições, antes de o UOL divulgar que era mentira que o energúmeno tinha vencido as eleições em toda a Europa, inclusive aqui na Espanha onde acompanhei tudo e Lula venceu com folga, eu já tinha recebido seis pedidos de esclarecimentos, de seis estados espalhados pelo Brasil: Paraná, São Paulo, Espírito Santo, DF, Bahia e Pará. Atenção: era a mesmíssima informação. Depois de tudo esclarecido, decidi pedir a meus contatos que me informassem, em detalhes, como e de quem a tinham recebido.
Apenas um deles recebeu de uma única pessoa, uma professora que integra uma “rede de whatsapp bolsonarista e repassou para todos seus colegas professores, alunos e demais amigos paraenses”. Dois informaram que seus informantes receberam de três redes, outros dois receberam de quatro redes e um recebeu de cinco redes distintas de whatsapp. Não houve tempo ainda de mapear os nós anteriores que abasteceram essas redes locais, no máximo regionais, num espaçamento inferior a 43 minutos.
Ressalvo que esse levantamento relâmpago não tem valor científico, mas revela que redes sociais locais, espalhadas pelo Brasil, receberam ao mesmo tempo a mesma informação de uma única origem, sinalizando a existência de uma urdida e extraordinária rede de informações, espalhada por todo o país, funcionando na lógica: dispare a mentira, quando o TSE mandar retirar do ar, ela já estará no país inteiro. Já terá virado verdade nas mentes e corações de uma enorme parcela de brasileiros desinformados, não necessariamente fascistas.
Foi o que aconteceu com a mentira, difundida no sábado, de que o traficante Marcola teria declarado voto em Lula, que chegou em redes de, pelo menos, cinco dessas mesmas cidades. O TSE determinou a remoção da publicação feita pelo presidente e seus dois zeros, e quase duas dezenas de bolsonaristas, como a Jovem Pan e Milton Neves, mas o estrago já estava feito.
Solicitei também que me informassem se houve outras informações/Fake news recebidas por meio dessas redes entre a antevéspera e o dia das eleições. Foram comuns nas redes em, pelo menos, cinco dessas cidades: as mentiras de que Lula fecharia as igrejas em caso de vitória, a vulnerabilidade das urnas eletrônicas, a manipulação das pesquisas eleitorais, a comprovação de que Lula é ladrão mas só foi solto por causa da idade, além das informações, fora de contexto e época, sobre as falas de Lula a respeito do aborto, a comparação de que Bolsonaro parece caipira do interior de São Paulo e o VT em que William Bonner anuncia e Gilmar Mendes afirma que o PT roubou cerca de R$ 2 bilhões da Petrobras, que dariam para financiar as próprias eleições até 2038.
Outras sete Fake News apareceram nas redes de, pelo menos, três desses locais, como aquela requentada sobre as fazendas do filho do Lula e a fala de um tal Capitão Assunção de que Bolsonaro é admirado no mundo inteiro e é o presidente que mais recebeu premiações mundo afora, mais do que Nelson Mandela, entre outros citados.
Portanto, não houve erro das pesquisas e nem “voto envergonhado”. Foi essa fantástica rede de mentiras que mudou o voto de pelo menos 6% dos brasileiros de sexta para domingo e mudará no segundo turno se nada for feito.
Essa máquina de criar verdades está funcionando a todo vapor e não adianta esperar o TSE fazer alguma coisa. Aliás, não se deve esperar nada do TSE/STF, coniventes com a mentira desde 2014 e agora assustados. Nada pode ser feito antes, e quando tomar uma atitude o estrago já ocorreu e não haverá punição a ninguém dessa gente que se beneficia da civilização, mas a odeia.
Para contrapor isso, o PT teria que fazer o que não fez nos últimos quatro anos. E, obviamente, não há mais tempo de preparar uma rede com capilaridade nacional para denunciar essas mentiras com a mesma velocidade, assim como produzir e divulgar verdades, apenas verdades, que são muitas e as periferias do Brasil as desconhecem. Para isso deveria contar com o maior “robô” humano que tem a sua disposição: seus mais de 1,6 milhão de filiados, além de outros milhões de simpatizantes e lideranças do campo da esquerda.
Sim, isso é muito caro, mas infinitamente mais barato do que se gasta com o modo antigo de fazer campanha. Sim, isso é proibido, mas depende de como se faz e para que se faz. Teria que ser uma rede do PT, sem ser do PT, assim como é uma rede do Bolsonaro, sem ser do Bolsonaro. Mas este é tema para outra reflexão.
Mas algo pode ser feito agora: um plano de comunicação com método, estratégia e produção voltado às redes sociais, colocando para funcionar de forma organizada e orientada a rede de milhões de brasileiros que votaram em Lula e estão se descabelando em voluntarismos sem estratégia e sem método.
O PT não pode mais ficar apostando num plano de comunicação perfeito para antes das redes sociais, alicerçado num modelo de comunicação ultrapassado, nos modos de fazer comunicação da mídia hegemônica. Esse tempo já se foi e o PT, que no seu início queria fazer mobilização social com comunicação sindical, aprendeu a usá-la com muita eficiência. Só que o mundo das comunicações virou de ponta cabeça com as novas tecnologias de comunicação em rede. Mas, como canta Chico Buarque, “o tempo passou na janela (e) só Carolina não viu”. Ela, o PT, a grande mídia e muitos, assustadores muitos, de nós comunicadores.
(*) Este texto é de responsabilidade exclusiva do seu autor, não refletindo, necessariamente, a opinião da direção da ABI.