Artigo: “Justiça Trabalhista do Brasil – o fenômeno social agoniza”


12/05/2014


Por Daniel Mazola* 

“O jornalista, colunista, editor e sindicalista Roberto Monteiro Pinho escreveu um livro intitulado “Justiça Trabalhista do Brasil – o fenômeno social agoniza”. A obra explica com clareza os principais pontos que trava o judiciário laboral, trazendo como suporte as estatísticas dos tribunais, pesquisas dos institutos e o conhecimento adquirido pela própria experiência do autor, no período em que esteve como juiz da representação paritária na Justiça do Trabalho e também pela vasta pesquisa, conforme se pode notar, em consideração ao conteúdo do livro. Entrevistei Roberto Monteiro Pinho, focado na questão da lentidão da justiça, principal ponto de interesse geral, já que conforme ele mesmo informou, existe hoje 15 milhões de ações tramitando na justiça trabalhista, número que representa 40% do total da população ativa no país. Por outro existe uma preocupação latente da sociedade, quanto ao futuro dessa justiça, e sobre as medidas que estão sendo tomadas pelos seus integrantes. O livro tem prefácios de renomadas personalidades jornalísticas e do direito, Helio Fernandes, Mauricio Azêdo (falecido) e o desembargador Paulo Roberto Capanema.

Tribuna da Imprensa onlineQual a principal razão de escrever essa obra?

Roberto Monteiro Pinho – Muitas, começando pela total ausência de informações sobre os reais motivos que travam as ações. Essa conta por parte dos magistrados trabalhistas, via de regra vai para as empresas e os trabalhadores, A primeira acusada de não cumprir as regras trabalhistas e o segundo por ter adquirido a cultura de procurar o judiciário até mesmo nas menores questões. Ocorre que nem sempre o trabalhador consegue resolver o problema com a empresa, e por outro, a empresa pode estar atravessando dificuldades financeiras e não ter como indenizar o empregado. Mas isso é rotineiro, e está bem claro, no entanto a farsa do judiciário está blindada por um meio em que nunca é admitido que da culpa dos integrantes da justiça. São atos de serventia que demoram meses, sentenças que demoram anos e milhões de ações sem solução, tramitando há 10, 12, 15 anos.

Tribuna da Imprensa online – Objetivamente onde está a causa da morosidade?

Roberto Monteiro Pinho – Até o ano de 2000, quando essa justiça e tinha uma composição com os sindicatos, a oxigenação era uma, hoje é traumática, estressante e engessada, perdeu a qualidade das decisões, e seus juízes que eram especializados, estavam limitados juridicamente, com isso um dos pontos frágeis da CLT, a execução, travava as ações. A partir de 2001, quando terminou o ciclo dos sindicatos nesta especializada a metade das ações em demanda judicial eram resolvidas através de acordos, hoje, o juiz prefere judicializar e ganhar pontos para sua promoção por merecimento. Os sindicalistas alcançavam percentuais elevados de acordos, mais da metade das ações eram resolvidas amigavelmente graças à mediação dos sindicalistas. Então, tivemos um aumento da demanda de ações.

Tribuna da Imprensa online – Houve mudanças depois disso?

Roberto Monteiro Pinho – Em 2005 com a EC 45/04 a justiça trabalhista passou a ser cobradora de luxo da União, executando entre outros tributos, os créditos da Previdência Social e da Fazenda. Registro aqui o fato de que os juízes negociaram no Planalto para que a extinção da Justiça do Trabalho, não ocorresse e com isso a União, migrou as ações fiscais para essa justiça. Então contrário de priorizar as ações dos trabalhadores, a Justiça do Trabalho acabou se constituindo num “cartório de luxo”, com estrutura onerosa para cobrar tributos federais. A partir daí, o monocracismo fincou pé na sua imaginária importância política (mais governo, menos trabalhador), já que para barrar a extinção deste judiciário, repito, a moeda de troca foi exatamente à especializada operar a cobrança desses tributos, hoje fortalecendo a blindagem deste judiciário.

Tribuna da Imprensa online – Então existe a tal blindagem?

Roberto Monteiro Pinho O judiciário é blindado, existe de fato um enorme corporativismo, as rusgas que assistimos na TV por assinatura é “jogo de cena”, vaidade, as divergências sob o ponto de vista do direito, segue uma cultura centenária, colonial de justiça vetusta. A sociedade está muito afastada do judiciário, ele opera como uma casta, o mundo exterior para eles não existe, e isso causa ressentimento nas pessoas, que podem até admirar os grandes julgadores e juristas estatais, mas não aceitam a pompa, soberba e distanciamento social.

Tribuna da Imprensa online: A demora na solução do processo do trabalho tem solução?

Roberto Monteiro Pinho – O Brasil tem uma longa tradição de nação pacificadora. O número de ações trabalhistas cresceu de 2001 de 9 milhões para 15 milhões em 2012, (fonte CNJ), em 83% delas o governo ou é réu ou é autor. Nas ações públicas os temas são complicados, estabilidade, desvio de função, violação as regras convencionadas, dispensas imotivadas, artifícios na contratação, enfim uma gama de rubricas, que chegam até as demissões em massa das terceirizadas, onde na maioria dos casos, nem mesmo a verba salarial da dispensa foi paga. Hoje em dia tudo gera Dano Moral, o advogado do reclamante pede se levar tudo bem! se perder nada acontece, fica por isso mesmo, até porque nessa justiça advogado de hipossuficiente é hipo juridicamente, não sofre punição por enriquecimento sem causa. Prevalece aqui o preciosismo, sentenças que são autenticas obras literárias, rebuscadas, modelão incipiente, decisões conflitantes, avessas às normas legais, execuções eivadas de vícios e nulidades, leilões, praças, arrematação, entendimentos de servidores que se prestam a fazer sentenças para juízes preguiçosos e irresponsáveis, tudo em flagrante violação a regra administrativa dos tribunais e também da vetusta Lei da Magistratura a Loman, tudo gera, recursos e recursos, e com isso a ação ganha sobrevida e seu tempo de solução se estende por mais anos. Em suma: o que era para ser simples se tornou complexo, judicialização é a palavra de ordem nessa justiça. Diante disso tudo só uma solução, a realização de acordos extrajudiciais através da arbitragem Lei 9.307/04 que versa sobre temas de natureza indenizatória.

Tribuna da Imprensa online: Os advogados também reclamam e quais são as medidas tomadas pela Ordem?

Roberto Monteiro Pinho – A Ordem tem atuado, mas é um universo muito grande, são 24 seccionais, só no Rio de Janeiro temos 64 subseções, e o volume de reclamações são muitas. O desagravo, instrumento de protesto da classe operado pelas OABs, não surte efeito, faz barulho, mas apenas fica a denuncia. Pior é quando o juiz ou serventuário comunica um incidente contra o advogado, o processo administrativo é acolhido e anda com rapidez, enquanto os juízes são corporativos, uma reclamação correcional pode levar anos, e conforme foi denunciado pela então corregedora do CNJ, ministra Eliane Calmon, 97% delas sequer são apreciadas. Isso tem que mudar e a Ordem deve trabalhar com afinco este instituto, seria uma forma de mostrar, outro quadro a magistratura vetusta e insolente.

Tribuna da Imprensa online – E no futuro você acha que teremos solução?

Roberto Monteiro Pinho – Hoje meu filho recém-formado já advoga, mas a exemplo dele e aqueles que enfrentam o dia a dia nos tribunais do trabalho padecem e muito. Inúmeras são as queixas, na subseção da OAB Barra onde sou Assessor Especial da Presidência, elas são constantes, estão desde a violação das prerrogativas dos advogados (art. 133 da CF), a falta de esmero no trato social, e interação com as partes. O caos reinante é nacional, em todas Seccionais temos casos que até “Deus duvida”. As serventias e os juízes do trabalho, “se acham acima de tudo e de todos”, as reclamações dos profissionais são muitas neste sentido. É desconfortável trabalhar num ambiente onde predomina o cinismo e a prepotência. Uma simples petição demora meses para ser despachada, e quando o advogado quer falar com o juiz, até menos para exigir a liberação do alvará, que é a sua mais valia, não consegue, tamanha a barreira desumana que se estabeleceu entre judiciário e advocacia. O resultado é estressante, o autor dificilmente entende que a culpa não é do profissional da advocacia e sim do sistema caótico que ai está. Com boa vontade, digo volenti nihil difficile, fazendo leis fortes e punindo aqueles que as violam, colocando o juiz na condição de servidor, um ser normal a serviço da sociedade, despindo-o da proteção estatal, vetusta, colonial e agressiva aos olhos do povo, creio que em médio prazo teríamos um judiciário lapidado a realidade democrática do Estado de Direito, uma verticalização dos princípios, nos níveis que sejam suportáveis. Os movimentos sociais foram às ruas em junho de 2013, para dar um basta nisso tudo que ai está, e o recado também serve para o judiciário brasileiro.”

*Daniel Mazola é jornalista, secretario geral da Comissão da Defesa da Liberdade de Imprensa e dos Direitos Humanos da Associação Brasileira de Imprensa – ABI, e redator da Tribuna online. 

 

Roberto Monteiro Pinho

“Sobre Roberto Monteiro Pinho – Aos 18 anos em pleno regime ditatorial o autor estava trabalhando na Associação Beneficente dos Feirantes de São Paulo, uma das entidades mais representativas na época, e que reunia milhares de comerciantes atacadistas em mais de 20 feiras-livres realizadas diariamente na capital paulista. Sua atividade era a de associar membros, que mais tarde se converteria em sindicato, um dos mais antigos do país. Após longo período, mudou para o Rio de Janeiro, nos anos 70 passou pelo setor de transportes, quando fundou a Associação de Locação de Veículos do Rio de Janeiro – Aelotrava, hoje sindicato de locação de veículos. Durante o estado de exceção, inspirado na atuação de sua mãe na emblemática Liga Operária, militou e ajudou até a abertura política, engajado no Movimento pela Volta dos Exilados, e os organismos de esquerda na proteção, acolhida e apoio aos presos e aos exilados políticos.

Na vida comunitária fundou dezenas de associações de moradores, quando disputou em 1982 a eleição para deputado no Rio de Janeiro pelo PTB. Editor, colunista e radialista,  apresentou programas na Rádio Imprensa FM e na Rádio Bandeirantes AM. Na militância política após participar em 1979 ao lado dos socialistas europeus, do Encontro de Trabalhistas no Exílio, na cidade de Lisboa. Monteiro apostava na fusão do PTB de Ivete Vargas e o PDT, após fundar com Leonel Brizola sua agremiação. No jornalismo fundou o periódico Jornal da Cidade e sua editora de jornais e revistas, e passou a colaborar com o jornal Tribuna da Imprensa de Helio Fernandes, hoje seu amigo. Estudou sociologia e direito, mas acabou optando pela comunicação, sua paixão profissional. Ainda no regime militar nos anos 80 chegou ocupar a função de subeditor. Ingressou na Confederação Geral dos Trabalhadores – CGT, onde ocupou a diretoria de Relações Internacionais, quando foi nomeado juiz pela representação paritária na Justiça do Trabalho, tendo composto as Sétima e Nona Turmas, e dos Dissídios Coletivos – SEDIC.  Aposentado, é Assessor Especial da presidência da Ordem dos Advogados do Brasil, subseção Barra – Rio de Janeiro, se dedica a assessoria para assuntos institucionais de sindicalismo, e ao Blog Tribuna online, onde é subeditor ao lado de Helio Fernandes e o jornalista Daniel Mazola, seu colega na Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e dos Direitos Humanos da Associação Brasileira de Imprensa – ABI.”

*Daniel Mazola é jornalista, secretario geral da Comissão da Defesa da Liberdade de Imprensa e dos Direitos Humanos da Associação Brasileira de Imprensa – ABI, e redator da Tribuna online.