Maria Prestes, viúva do líder comunista Luiz Carlos Prestes, doou na tarde desta terça-feira, dia 3, o acervo pessoal do “Cavaleiro da Esperança” ao Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro. A cerimônia foi realizada na data que celebra os 114 anos de nascimento do heroi nacional.
O acervo é composto por sete pastas contendo documentos escritos e iconográficos produzidos e/ou acumulados pelo casal Maria e Luiz Carlos Prestes principalmente entre as décadas de 1970 e 1990. A documentação reúne fotografias, cartas, telegramas, correspondências trocadas com parentes e com lideranças comunistas de diferentes países, e textos históricos como a lista com 233 nomes de torturadores relacionados por 35 presos políticos em 1975, que cumpriam pena no presídio da Justiça Militar Federal.
O acervo de Prestes inclui ainda relatórios de reuniões políticas, anotações, comentários e transcrições feitas por ele a partir da leitura de livros e jornais; aulas e textos referentes ao Partido Comunista Brasileiro, discursos, artigos, entrevistas, diplomas, moções de congratulação, homenagens recebidas por ele de diversas entidades, recortes de jornais e revistas referentes à sua trajetória e registros produzidos após a sua morte, como a inauguração do Memorial Coluna Prestes, em 1997.
Esses documentos se juntam às cópias de três manuscritos de Prestes doados ao Arquivo Nacional em 2010, cujos originais encontram-se no Arquivo do Estado Russo de História Política e Social, em Moscou.
—Em termos políticos, entre os documentos de destaque estão os depoimentos que revelam o empenho de meu pai durante o exílio em Moscou, na década de 70, em denunciar à comunidade internacional a prática da tortura e os assassinatos praticados pelo regime militar no Brasil, assinalou Luiz Carlos Prestes Filho.
O Diretor-geral do Arquivo Nacional, Jaime Antunes da Silva, iniciou a solenidade convocando a mesa de honra formada por Maria Prestes e pelo marchand e colecionador Cláudio Valensi. Segundo Antunes, o material doado será catalogado e digitalizado para posterior disponibilização na internet:
-Representantes do Arquivo Nacional e da família de Luiz Carlos Prestes realizaram vários encontros para que este patrimônio pudesse ser preservado e disponibilizado ao público. O dia 3 de janeiro, data especial da biografia de Prestes, foi escolhido para a realização da cerimônia oficial de doação. Este gesto de Maria Prestes valoriza a preservação dos registros que vão iluminar a história contemporânea. O Arquivo Nacional agradece a doação e a honra em ser o destinatário de valiosa massa de documentos. O caminho está aberto para que outros cidadãos possam recorrer ao Arquivo Nacional, que também abriga o projeto Memórias Reveladas, contribuindo para estimular a produção de conhecimento e a rede de parceiros em benefício de estudantes, pesquisadores e do público em geral. A documentação de Luiz Carlos Prestes está nas mãos de técnicos que saberão potencializar a História do Brasil em assuntos nem sempre conhecidos.
O termo de doação do acervo foi assinado por Maria Prestes, tendo como testemunhas Eduardo Prestes Massena e Rodrigo Lima Prestes, netos do homenageado, e Carmem Moreno, Coordenadora de Processamento e Preservação de Acervo, do Arquivo Nacional.
—O dia de hoje é importante para a memória de Prestes, que completaria 114 anos de nascimento, para o Arquivo Nacional, para o povo brasileiro e para Beatriz Bandeira Ryff, cujo enterro está sendo realizado neste momento. Gostaria de pedir a todos um minuto de silêncio em homenagem a esta mulher que conviveu na prisão com Olga Benário. Neste ato estamos firmando o acordo de doação dos documentos de Luiz Carlos Preastes, o legendário brasileiro e vamos aplaudir também Beatriz, esta lutadora que participou ativamente da luta pela democracia no Brasil. Todos nós devemos homenagear estas pessoas, pois sem elas nós não estaríamos aqui hoje, destacou a viúva de Prestes.
Dando sequência à cerimônia, o colecionador Cláudio Valensi doou ao acervo do Arquivo Nacional a réplica da estátua em bronze Cavaleiro da Luz, do escultor Maurício Bentes:
—Agradeço a doação desta obra, cuja escultura original encontra-se no Memorial Coluna Prestes, em Palmas, no Tocantins, e enaltece a figura deste grande brasileiro, disse o Diretor do Arquivo Nacional.
Além dos fatos históricos, os documentos vão possibilitar o acesso ao mundo privado e familiar de Prestes, frisou Luiz Carlos Prestes Filho:
—Meu pai sempre fez questão de preservar a vida familiar e nela se realizou. O acervo mostra a face dele como pai e avô dedicado, sempre trocando cartas com parentes e amigos. São tocantes as cartas que ele trocou com Pedro, filho do primeiro casamento de Maria Prestes, mas que ele adotou com seu filho. Papai confiava plenamente em Pedro. Nos textos percebemos o valor da amizade.
ABI
A lista com 233 nomes de torturadores relacionados por 35 presos políticos em 1975, é parte integrante do Relatório da 4ª União Anual do Comitê de Solidariedade aos Revolucionários do Brasil, datado de fevereiro de 1976, dividido em seis capítulos, entre os quais a “Identificação dos Torturadores”.
Na ocasião, o documento foi enviado ao Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Caio Mário da Silva Pereira, mas só foi noticiado em junho de 1978, no semanário Em Tempo. Segundo o periódico, “na época em que foi escrito, o documento não teve grandes repercussões, apenas alguns jornais resumiram a descrição dos métodos de tortura”. O major do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra encabeça a lista de torturadores.
A divulgação da lista provocou forte reação da ditadura com ataques de bombas a bancas de jornal, à sede da OAB, e ameaças à sede da ABI:
—Eu e o Velho freqüentamos muito a ABI, além disso ele concedeu diversas entrevistas para a Associação. No acervo certamente há documentos relacionados a este período. Na ABI, assim como em todos os lugares por onde ele passava, as pessoas reconheciam o seu heroísmo. Fico muito emocionada em recordar estes momentos, mas também me sinto triste ao lembrar o quanto ele foi injustiçado ao longo de sua vida, lamentou Maria Prestes.
Segundo a Revista História, da Biblioteca Nacional, depois desta lista, o jornal Em Tempo publicou mais duas relações de militares acusados de tortura. A tiragem de 20 mil exemplares esgotou-se rapidamente e o jornal sofreu dois atentados. Entre os 35 autores da lista estão Alberto Henrique Becker, Altino Souza Dantas Júnior, André Ota, Antonio André Camargo Guerra, Antonio Neto Barbosa, Antonio Pinheiro Salles, Artur Machado Scavone, Ariston Oliveira Lucena, Aton Fon Filho, Carlos Victor Alves Delamonica, Celso Antunes Horta, César Augusto Teles, Diógenes Sobrosa, Elio Cabral de Souza, Fabio Oascar Marenco dos Santos, Francisco Carlos de Andrade, Francisco Gomes da Silva, Gilberto Berloque, Gilney Amorim Viana,Gregório Mendonça, Hamilton Pereira da Silva, Jair Borin, Jesus Paredes Soto, José Carlos Giannini, José Genoíno, Luiz Vergatti, Manoel Cyrillo de Oliveira Netto, Manoel Porfírio de Souza, Nei Jansen Ferreira Jr., Osvaldo Rocha, Ozeas Duarte de Oliveira, Paulo Radke, Paulo Vannuchi, Pedro Rocha Filho, Reinaldo Moreno Filho e Roberto Ribeiro Martins.