30/01/2008
Vagner Ricardo
01/02/2008
Disposto, em parte, a derrubar a tese de que o brasileiro não se associa e, ao mesmo tempo, empenhado em demonstrar como a sociedade e as universidades não têm uma idéia clara dos benefícios deixados pelas associações civis do início do século XX, o professor Vitor Fonseca, do Arquivo Nacional, iniciou um trabalho que resultará na publicação do “Guia das Associações Cariocas”, cobrindo o período entre 1903 e 1916. O objetivo é não só quantificar as entidades de personalidade jurídica, mas também disponibilizar seus acervos para estudiosos, universidades e organizações sociais. Os dados da pesquisa serão disponibilizados inicialmente na internet e, depois, publicados em livro no prazo máximo de um ano e meio.
A ABI, que festeja seu centenário este ano, foi a primeira entidade a responder ao questionário Arquivo Nacional que servirá de base para o guia. No caso das instituições extintas, o plano é identificar os detentores dos documentos, para que permitam o acesso dos pesquisadores.
Doutorado
A idéia do guia cristalizou-se a partir da tese de doutorado defendida no ano passado, no programa de Pós e História da Universidade Federal Fluminense (UFF), por Vitor Fonseca. O professor queria estudar, entre outras coisas, em que medida tinha ou não fundamento a afirmação da intelectualidade do início do século XX de que o brasileiro é insolidário, o que seria uma das razões de o País não dar certo.
Para dar base ao estudo, Fonseca avaliou a documentação existente, no 1º Oficio de Registro de Títulos e Documentos, sobre o período entre 1903 e 1916, último ano antes da vigência do Código Civil que impôs mudanças nas regras de formação das associações civis, em 1º de janeiro de 1917. Além do professor, participa da Coordenação do projeto a professora Ismênia Martins, do Departamento de História da UFF. O historiador Guilherme de Miranda é o responsável pela pesquisa.
Para Fonseca, o movimento associativo no País foi o embrião de uma série de direitos adquiridos pela sociedade:
— As uniões estáveis, por exemplo, só recentemente foram reconhecidas em lei, mas já eram validadas nas associações no início do século passado, bem como, em seus pleitos, o direito de voto dos analfabetos, algo só reconhecido na Constituição de 1988. O conceito de Defensoria Pública é também inspirado nas associações civis; Tiradentes foi defendido por um advogado pago pela Santa Casa de Misericórdia — lembra.
Registro
Até o advento do Código Civil de 1917, existiam 668 entidades com personalidade jurídica, diz o professor, acrescentando que o número de associações atuantes à época devia ser bem maior. Isso porque muitas, tendo em vista os custos maiores das entidades com personalidade jurídica, só justificável para aquelas que tinham um mínimo de patrimônio, não requisitavam seu registro:
— O 1º Ofício tinha, entre outras atribuições, registrar associações com personalidade jurídica. Porém, como isso implicava despesas elevadas, só fazia sentido para quem tinha algum patrimônio para administrar. Ficavam de fora, entre outras, entidades pastorais e clubes de futebol.
Mesmo assim, Fonseca relata que havia uma grande variedade de associações, com foco em atividades culturais, religiosas, beneficentes e, sobretudo, de auxílio mútuo, que prestavam serviços equivalentes aos da atual Previdência pública:
— Naquela época, estas associações cumpriam um importante papel. Cabia a elas amparar seus associados, caso fossem presos, ficassem doentes ou envelhecessem — diz ele, acrescentando que o acesso aos acervos das instituições permitirá aos estudiosos uma clara idéia de quais eram os anseios da sociedade no início do século passado.
Nesse primeiro momento, o guia ficará restrito às entidades com personalidade jurídica, “porque seu acervo documental pode ser mais facilmente encontrado”. Mas, dependendo da acolhida, a idéia é ampliar o escopo da pesquisa, incluindo as entidades surgidas a partir de 1917:
— Acho que, indiretamente, nosso trabalho de localização de documentos contribuirá para despertar a atenção sobre a necessidade de preservação dos arquivos das associações, mesmo daquelas cujo acervo ainda não tem a importância histórica e social reconhecida — conclui o professor.