15/11/2022
Por Juliana Dal Piva, no UOL
O servidor do Arquivo Nacional, Rodrigo de Sá Netto, que trabalhava no projeto Memórias Reveladas, foi afastado de suas funções pela direção do órgão no dia 9 de novembro. O afastamento ocorreu depois que o servidor reproduziu no site do projeto um artigo intitulado “Artigo 142 é para impedir movimento golpista, não apoiá-lo” e de autoria dos pesquisadores Ricardo Russell Brandão Cavalcanti e Saulo Emmanuel Rocha de Medeiros.
O artigo foi originalmente publicado no site Conjur e faz um levantamento histórico sobre a ditadura de 1964 para explicar a razão pela qual o artigo 142 da Constituição Federal não pode ser usado para justificar uma intervenção das forças armadas sobre o Poder Executivo.
Sá Netto republicou o artigo no site do Memórias Reveladas no dia 4 de novembro e. quatro dias depois, em 8 de novembro, a direção do Arquivo Nacional determinou que a publicação fosse apagada. A medida seguinte foi o afastamento do servidor. Sá Netto atua no projeto Memórias Reveladas há mais de dez anos.
O site do Memórias Reveladas foi criado em 2009 para dar publicidade a acervos e informações sobre o período da ditadura e contém uma seção de notícias dedicada à reprodução de matérias de imprensa sobre os temas ditadura, democracia e direitos humanos.
Por nota, o Ministério da Justiça disse que “o texto publicado no site do Arquivo Nacional não é uma matéria institucional, ao contrário, é um artigo”. “Dessa forma, foi retirado do ar pela instituição por não ser um conteúdo original, além de ter sido retirado de um site privado e se tratar de um conteúdo eminentemente opinativo.”
Texto censurado
O artigo retirado do site do projeto Memórias Reveladas se referia às manifestações contra o resultado da eleição como “golpistas” e trazia uma análise histórica desde o golpe militar de 1964.
No texto, foi descrito o artigo 142 da Constituição e a explicação de que, “ainda que as Forças Armadas estejam sob a autoridade suprema do Presidente da República, elas têm como função garantir a lei e a ordem, o que simplesmente impede a sua utilização para dar um golpe militar, uma vez que a nossa Lei Maior afirma que logo em seu artigo primeiro que o Brasil é um “Estado democrático de Direito”. O texto ressalta que as Forças Armadas são instituições de Estado e não de Governo.
Após o fim da apuração dos votos na eleição presidencial, um boato com uma informação falsa de que as Forças Armadas poderiam aplicar o artigo 142 correu as redes sociais e mensagens entre grupos bolsonaristas.
Os autores do texto do Conjur ainda assinalam que o “referido artigo constitucional não permite um golpe militar, mas sim, em verdade, serve para impedir que isso aconteça. No mais, qualquer tentativa de se estabelecer um regime militar no Brasil é um crime por parte de todas as pessoas envolvidas”.
Outros casos
Criado em 1838, o Arquivo Nacional é responsável pela gestão e proteção do patrimônio documental brasileiro, garantindo à sociedade acesso à informação promovendo o direito à memória e à verdade histórica. Um dos acervos de que o Arquivo Nacional cuida é o do Serviço Nacional de Informações que foi criado na ditadura militar. Esse setor foi um dos mais afetados no governo de Jair Bolsonaro.
Há outros relatos de que servidores estão sendo afastados de suas funções por discordar tecnicamente de decisões da atual direção do órgão. Um caso ocorreu devido a um decreto que retirou do Arquivo Nacional a prerrogativa de decidir sobre a eliminação de documentos públicos. O impasse se deu após o Decreto 10148, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro em 12 de agosto de 2019.
Duas servidoras perderam suas funções no fim do ano passado depois de uma reunião em que as chefes de departamento mostraram preocupação com a eliminação indiscriminada de documentos federais sem aprovação prévia.
O atual diretor-geral do Arquivo Nacional é Ricardo Borda D’Água de Almeida Braga. Ele é funcionário aposentado do Banco do Brasil. No banco, ele foi chefe de segurança e também é ex-subsecretário de Segurança Pública do Distrito Federal. Braga é atirador esportivo foi já foi homenageado como “colaborador emérito” do Exército.
Em fevereiro deste ano, o MPF propôs uma ação civil pública para cancelar a nomeação de Braga do cargo ao avaliar que ele não tinha experiência para ocupar a chefia do Arquivo Nacional.