19/03/2021
Contar história faz parte do ofício do jornalista. Gilberto Pauletti, gaúcho de Cruz Alta, que começou na profissão na Zero Hora, de Porto Alegre, e consolidou carreira nas redações dos principais jornais do país, no Rio de Janeiro, tem um monte delas para …. escrever. Muitas já estão lá no livro que lançou no ano passado – De Cruz Alta ao Irã – Memórias de um Jornalista” (JÁ Editora) – Outras ele apresenta aqui no site da ABI, com exclusividade e bom humor. Porque, neste espaço, jornalista também é notícia.
Herman`s Heremits
Era uma sexta-feira qualquer. Na hora de ir embora, peguei minha pauta que deixei para ler no caminho de casa, na verdade casa da minha namorada Suzana. Na Zero Hora não se trabalhava no sábado. Matérias, com ou sem fotos, que sobravam da edição desse dia eram aproveitadas na edição de segunda. O jornal não circulava nos domingos.
Nesse dia. o leitor gaúcho tinha a sua disposição apenas o sisudo Correio do Povo, um impresso tamanho standard. Seu prestígio era tão grande que se dizia na época: se o Correio não deu, não aconteceu. O Rio Grande do Sul chegou a ter quatro tablóides, dois deles (Folha da Manhã e Folha da Tarde) e a Zero Hora do Grupo Gaúcha (Rádio e TV).
A ZH mantinha plantão com uma equipe reduzida de jornalistas na redação do jornal, incluindo a dupla de repórter e cinegrafista da TV Gaúcha. Assim, se fosse necessário um deslocamento da dupla da TV junto com os repórteres do jornal, a equipe era reforçada. Nos anos 60, a TV não tinha redação bem montada. Logo que me contrataram fiz muitos plantões.
Não me importava de trabalhar nos fins de semana, Escrevia sobre tudo o que meu chefe mandava. Embora o jornal tivesse alguns profissionais mais experientes, em plantão de fim de semana só não fazia matérias sobre futebol. Isso era tarefa para os especialistas.
Numa sexta-feira, não lembro o mês, mas com certeza era 1967, Luiz Carlos Bonet, chefe de reportagem, me chamou e disse: “Você vai cobrir um show de rock no sábado à noite, no União” (um dos clubes classe A de Porto Alegre) e me deu o ingresso. “Não te preocupas com as fotos, Vamos mandar um fotógrafo, mas não sei ainda qual deles vai.” Saí todo contente porque ia conhecer um dos mais famosos conjuntos de rock do mundo, a banda inglesa The Herman`s Heremits.
Na plateia, umas 500 garotas gritavam e dançavam alucinadamente. De repente, uma delas, próxima do palco, atirou uma bolinha de papel na direção do cantor, que, embora tivesse com uma das mãos ocupada, segurando microfone, pegou a bolinha com a mão esquerda e guardou-a no bolso. Terminada a música, ele pegou a bolinha e jogou-a como quem dava um chute em direção da público.. E sabem em qual direção veio a dita cuja? Na deste solerte repórter. Umas vinte gurias voaram para cima de mim. Elas não deram nenhuma importância para o tombo que levei. Queriam era apanhar o troféu.
No domingo à tarde, fui trabalhar certo de que minha história ganharia um lugar na edição de segunda-feira. Foi quando ouvi pela primeira vez a frase – jornalista não é notícia.
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Ovo podre x limão estragado
O ano de 1961 foi muito agitado no Brasil. Jânio Quadros, eleito presidente da República com votação recorde, renunciou sete meses após derrotar o Marechal Henrique Teixeira Lott e Ademar de Barros. Sua figura e seus discursos chamaram a atenção dos eleitores no país inteiro. A vassoura, para usar na lapela do casaco era a marca de sua campanha, enquanto a espada identificava os eleitores do marechal. Ademar de Barros usava um slogan –“ Fé em Deus e pé na tábua”. Derrotado, na segunda vez apelou para outro slogan – “Desta vez vamos”. Também não foi,
Em Cruz Alta, nossa turma tomou partido de Jânio ou de Lott, dependendo do pai de cada um, pois nenhum de nós tinha idade para portar um título de eleitor. O meu, por exemplo, disse que não votaria em militar porque caso o Lott ganhasse “a gente teria de beijar as botas desses milicos na rua”. Não estava tão errado, o seu Armando.
Lembro de dois comícios em Cruz Alta realizados à noite. Os apoiadores de Lott fizeram seu evento, com a presença do candidato, na praça General Firmino, em frente da Prefeitura. Os partidários de Jânio escolheram a outra praça, a da Matriz, em frente da igreja com o mesmo nome. Nessa época não existia a igreja da Nossa Senhora de Fátima.
E qual foi a nossa participação nesses dois eventos noturnos? Ficou resolvido que jogaríamos limões estragados no público que assistia ao comício de Lott, o que provocou a reação de uma parte de nossa turma, cujos pais votariam no marechal. Para haver justiça jogaríamos ovos podres no comício de Jânio. Falava-se na época que Jânio gostava de beber e quando perguntaram por que bebia, teria respondido,”Bebo porque é líquido, se fosse sólido come-lo-ia”. A mesóclise não era gratuita. Jânio chegou a escrever um livro chamado Curso Prático da Língua Portuguesa.
A maior diversão foi ver o povo tentando identificar de onde partiam ovos e limões. Não lembro onde foram apanhados os limões e os ovos. Mas sei que no outro dia a brincadeira ainda era assunto entre os adultos partidários de Lott e Jânio. Ademar de Barros, candidato do meu avô Lenuzza, não mereceu nossa atenção.