15/06/2022
Em 1819, Charlotte de La Tour publicava na França Le langage des fleurs, uma obra que conferia a cada tipo de flor um significado específico relacionado às experiências do amor romântico.
Não demorou para que a linguagem das flores chegasse ao Brasil, onde recebeu a roupagem de um dicionário de consulta ligeira voltado sobretudo às práticas sociais do namoro.
Em A linguagem sentimental das flores e o namoro às escondidas no Rio de Janeiro do século XIX, lançamento da Editora Unesp, Alessandra El Far recupera a presença desse código amoroso no cotidiano da corte imperial, uma sociedade marcada por diversas outras estratégias veladas de cortejo, devido às rígidas convenções morais da época e à dinâmica da ordem patriarcal brasileira que ainda concedia aos pais o costume de decidir sobre o destino matrimonial de seus filhos.
Como explica a autora, as flores tinham assim uma linguagem, que disponibilizava tanto aos homens como às mulheres, imersos em suas próprias estratégias de sedução e conquista amorosa, um sistema de comunicação que tinha por finalidade oferecer um conteúdo variado e útil de mensagens a todos aqueles que desejavam fazer declarações apaixonadas, marcar encontros sigilosos ou mesmo manifestar angústias e desapontamentos.
Com isso, uma acácia, por exemplo, queria dizer “sonhei contigo”, e um malmequer no peito “cruéis tormentos”. Já um punhado de tâmaras significava “no passeio nos vemos”, um simples trevo, “vem na segunda-feira”, e uma trepadeira amarela, nesse intercâmbio clandestino e silencioso, podia também dar o seu recado: ‘vem pela porta da rua’”.
Ao longo de cinco capítulos, esse estudo, que mescla história e antropologia, mostra como a linguagem das flores “falou” – e muito, em particular, aquilo que não poderia se dizer. Como ainda mostra a autora, junto a essas “flores falantes”, diversos outros códigos secretos apareceram, como a linguagem do leque, da bengala e das cores, fazendo com que o Rio de Janeiro do século XIX fosse também uma sociedade marcada pelo segredo, pelos olhares dissimulados, pelos encontros às escondidas, pelos bilhetes que escorregavam de mão em mão e, para usar o termo cunhado por Machado de Assis em A mão e a luva (1874), pelo namoro “furtivo”.
Sobre a autora
Alessandra El Far tem graduação e pós-graduação pela Universidade de São Paulo (USP). Desde 2008, é professora de Antropologia no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Em diálogo com a história e a literatura, pesquisa o mundo dos livros, as práticas de leitura e a vida social no século XIX. É autora das obras A encenação da imortalidade (2000), Páginas de sensação (2004) e O livro e a leitura no Brasil (2006).