Amazônia ameaçada pela agenda de mineração de Bolsonaro


09/12/2022


Por Rodrigo Machado Vilani, Lucas Ferrante e Philip M. Fearnside, em Amazônia Real

Foto: Bruno Kelly/HAY

Na semana passada foi publicado na prestigiosa revista Die Erde (“A Terra”, em alemão) a versão em inglês do seguinte texto sobre a situação atual na Amazônia brasileira. Die Erde é publicada (sob diferentes nomes) pela Sociedade Geográfica de Berlim desde 1828, e é uma das revistas profissionais mais antigas do mundo:

O presidente brasileiro Jair Bolsonaro induziu um ciclo de desmatamento e violência na Amazônia, onde o desmantelamento de órgãos e políticas ambientais se tornou uma estratégia central na remoção de barreiras à exploração predatória dos recursos naturais. A mineração é uma parte fundamental dessa agenda. O Brasil e a comunidade internacional devem lutar para reverter a destruição da Amazônia.

A mineração é uma atividade notória por seus impactos ambientais e sociais, e que tem se mostrado especialmente danosa na Amazônia. O efeito sobre os povos indígenas foi particularmente devastador. A remoção de barreiras à mineração em larga escala na Amazônia, incluindo a extração em terras indígenas (por exemplo, Projetos de Lei 191/2000, 2633/2020, 3729/2004 e 490/2007), tem sido uma parte fundamental da agenda da administração presidencial de Jair Bolsonaro (2019-2022).

Em outubro de 2018, Jair Bolsonaro foi eleito e apresentou um plano de governo estruturalmente prejudicial à legislação ambiental no Brasil. Após assumir o cargo em janeiro de 2019, Bolsonaro implementou uma série de medidas para acabar com a legislação ambiental e os direitos dos povos indígenas. Essas ações aumentaram o desmatamento em todo o Brasil e provocaram uma explosão de incêndios na Amazônia e no Pantanal, cuja fumaça chegou a escurecer o céu da cidade de São Paulo. Bolsonaro tentou esconder o episódio e usou o exército brasileiro como cortina de fumaça para encobrir o aumento do desmatamento e das queimadas na Amazônia.

O presidente Bolsonaro promoveu o desmantelamento de agências e políticas ambientais por meio de: (i) militarização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), (ii) cortes orçamentários drásticos para proteção ambiental, (iii) redução de operações contra desmatamento, (iv) impedimento de investigações de infrações ambientais e (v) ameaças a terras indígenas e unidades de conservação.

O governo do presidente Bolsonaro foi marcado por um forte aumento no desmatamento da Amazônia e nos ataques aos povos indígenas por madeireiros, garimpeiros e “ruralistas” (grandes proprietários e seus representantes), especialmente durante a pandemia. O desmantelamento da Fundação Nacional do Índio (Funai) foi uma etapa desse processo, uma vez que, juntamente com o Ibama, o órgão atuava para coibir infrações ambientais em terras indígenas amazônicas. O presidente Bolsonaro também negou a validade das estimativas de desmatamento produzidas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que teve seu diretor demitido e inibiu seu trabalho de várias maneiras.

Outra ameaça à sustentabilidade da Amazônia é o sistema fundiário porque resulta em conflitos fundiários, padrões de propriedade desiguais, especulação imobiliária e apropriação ilegal de terras do governo (grilagem). As vastas áreas de terras públicas não destinadas, popularmente conhecidas como “terras devolutas”, são particularmente vulneráveis à grilagem. A recategorização e redução de áreas protegidas é uma ameaça adicional.

A disfuncionalidade das políticas ambientais, indígenas e fundiárias está levando à destruição da floresta amazônica, que abriga uma enorme biodiversidade e centenas de etnias indígenas e comunidades tradicionais, como seringueiros, pescadores e quilombolas (descendentes de africanos que escaparam da escravidão e fundaram seus próprios assentamentos). As áreas indígenas são especialmente vulneráveis aos avanços do agronegócio, que está implantando cadeias produtivas com alto potencial de impacto tanto no meio ambiente quanto na saúde coletiva dessas comunidades.

A Amazônia e as terras indígenas não foram mencionadas nem no plano que Bolsonaro propôs ao concorrer à presidência em 2018 nem em seu discurso pós-eleitoral. O tema é abordado em seus pronunciamentos nas Nações Unidas, mas a partir de uma lógica mercantilista, exaltando a exploração econômica e a abundância das riquezas minerais amazônicas e o desejo dos povos indígenas de explorar suas terras. Ele equiparou a extração mineral ao progresso e descartou o aumento do desmatamento e das queimadas na Amazônia como natural. O presidente Bolsonaro violou a Constituição Federal ao afirmar repetidamente que não demarcará nenhuma terra indígena.

Em fevereiro de 2022, o Decreto 10.966 criou o “garimpo artesanal” como categoria a ser “estimulada” na região amazônica. O decreto também criou a Comissão Interministerial para o Desenvolvimento da Mineração Artesanal e de Pequena Escala, que não terá representação de povos indígenas, comunidades tradicionais ou movimentos sociais. O decreto legitima o garimpo ilegal na Amazônia e favorece uma importante base de apoio eleitoral do presidente Bolsonaro.

Normas autoritárias são adotadas com o apoio dos “ruralistas” (grandes proprietários e seus representantes), bem como da mineração e outros interesses. Há retrocessos na legislação por meio de diferentes projetos de lei que promovem uma profunda desterritorialização da Amazônia em favor da mineração e do agronegócio. Os seguintes projetos de lei em tramitação pelos apoiadores do presidente Bolsonaro no Congresso Nacional são mecanismos de desregulamentação das políticas ambientais: (i).

Projeto de Lei 191/2020 permite mineração em terras indígenas e em áreas protegidas para a biodiversidade (ii). Projeto de Lei 5518/2020 oferece concessões de florestas públicas à iniciativa privada, e (iii). Projeto de Lei 2633/2020 recompensa grileiros ao promover a legalização de reivindicações ilegais de terras. Dois projetos antigos voltaram ao debate devido ao atual cenário político: (i). Projeto de Lei 3729/2004 destrói o sistema de licenciamento ambiental do país  e (ii). O Projeto de Lei 490/2007 dificulta a demarcação de terras indígenas.

A mineração é uma atividade que promove severos impactos ambientais e desterritorialização nas áreas onde está instalada. O setor é um dos principais beneficiários desses projetos de lei. O lobby “ruralista” do Brasil e o bloco de votação do Congresso estão tentando revogar a ratificação do país da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que exige consulta para projetos que impactam os povos indígenas. Isso removeria um impedimento crítico para legalizar a invasão em massa de áreas indígenas para mineração (além de hidrelétricas, extração de madeira, pecuária e plantações de soja), como os empreendimentos planejados no PL191/2020.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Mineração, em 2021 houve um aumento de 7% na produção mineral em relação a 2020. As exportações aumentaram 58,6% em relação a 2020, o valor bruto das exportações totalizando US$ 58 bilhões em 2021. O minério de ferro foi responsável por 73,7% do o valor total dos minerais produzidos e gerou US$ 44,6 bilhões em exportações. Os três principais destinos do minério de ferro brasileiro são: China 68,0%, Malásia 6,4% e Japão 3,6%. O estado do Pará possui a maior produção mineral do país, que correspondeu a 43% do faturamento total do setor no Brasil. Essa produção se deve a Carajás, a maior mina de minério de ferro a céu aberto do planeta, que teve produção estimada em 220 milhões de toneladas em 2021.

O lugar da Amazônia deve ser repensado nas políticas brasileiras e internacionais. A exploração de terras e minerais da Amazônia em escala industrial para exportação deixou o bioma e seus biomas vizinhos (como o Cerrado) sob ameaça. A biodiversidade da região e os povos que nela vivem precisam ser considerados como elementos estruturantes para a sustentabilidade do bioma e dos serviços ecossistêmicos que ele oferece.

As agendas devem estar alinhadas com os compromissos internacionais em questões ambientais e climáticas, bem como com a proteção dos povos indígenas. As medidas prioritárias incluem: (i) recuperação orçamentária do IBAMA e da FUNAI, (ii) revisão e consolidação do sistema fundiário e retomada dos processos de demarcação de terras indígenas, e (iii) elaboração de uma agenda participativa pós-extrativismo no qual os povos nativos e comunidades tradicionais desempenham um papel de liderança.

Por fim, o apelo ao boicote internacional à soja e à carne bovina deve ser estendido para incluir o minério amazônico do Brasil. Uma questão chave serão as restrições da União Europeia (UE). Um acordo comercial entre a UE e o MERCOSUL (que inclui Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) está suspenso desde 2019 devido à falta de confiança de que os critérios ambientais serão cumpridos. Em 13 de setembro de 2022, o Parlamento Europeu aprovou restrições ambientais às importações de 14 tipos de commodities e, se ratificadas pelos 27 países membros, as restrições entrariam em vigor em 2023. Os minerais não estão incluídos entre as commodities restritas.

A eleição de 31 de outubro de 2022 de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente do Brasil melhora em muito as perspectivas para o controle do desmatamento. No entanto, tanto o Congresso Nacional ainda mais antiambiental do Brasil, que assumirá o cargo em 2023, quanto o próprio histórico de Lula em uma variedade de questões ambientais, como as barragens na Amazônia, indicam que um forte conjunto de restrições comerciais é necessário para apoiar a defesa da Amazônia e seu povo.