Agressões a profissionais de imprensa foram tema de evento na ABI


Por Cláudia Souza

23/08/2013


Maurício Azêdo, Paula Mairan, Margarida Pressburguer, Alcyr Cavalcanti, Paulo Baía

Maurício Azêdo, Paula Mairan, Margarida Pressburguer, Alcyr Cavalcanti, Paulo Baía

A Associação Brasileira de Imprensa promoveu na noite desta quarta-feira, dia 21, o debate sobre o tema “Violência contra Jornalistas”, que contou com a participação de profissionais da área, especialistas em mídia e direitos humanos, associados da entidade, e o público em geral.

Mediados por Alcyr Cavalcanti, diretor de jornalismo da ABI, formaram a mesa do encontro Margarida Pressburger, membro do Subcomitê para Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes (SPT), da ONU; a jornalista Paula Mairan, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro(SJPMRJ), e o sociólogo Paulo Bahia, professor da UFRJ.

Na abertura do seminário, Alcyr Cavalcanti destacou que a violência policial contra jornalistas pode ser observada em diversos períodos da vida política do país.

— A Polícia Militar atuou fortemente como força auxiliar do aparato repressivo, o chamado braço sujo da ditadura. Para eles interessa a lógica do confronto e o aparato de guerra. Infelizmente, esta é uma realidade recorrente no Brasil e difícil de ser modificada. Muito se fala em desmilitarização da força militar, e neste sentido, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República vem tentando dialogar com autoridades da área de segurança para que sejam implantados alguns procedimentos, como a restrição ao armamento de baixa letalidade.

Alcyr defendeu esta iniciativa como incentivo para a redução dos casos de violência contra a imprensa, referindo-se aos confrontos registrados durante as manifestações em todo o país:

— Nossos profissionais de imprensa foram gravemente feridos e tivemos uma morte. São repórteres e fotógrafos atingidos pela crescente violência. Não sabemos onde isto vai parar, nem as autoridades. São flagrantes de arbitrariedade e de violação dos direitos humanos inaceitáveis no Estado Democrático de Direito.

Em seguida, o Presidente da ABI, jornalista Maurício Azêdo saudou a plateia e os convidados do encontro e manifestou repúdio às agressões aos profissionais de imprensa:

—A ABI dá as boas-vindas a todos e deseja um debate fecundo dentro desta linha de denúncia dos casos de violência que se repetem pelo Brasil, com destaque para o Rio de Janeiro e São Paulo, contra o Estado Democrático de Direito, além da violação do direito de ir e vir sem condicionamentos de qualquer natureza e sem a autorização de espécie alguma sobretudo da autoridade policial.

Em consonância com o discurso do presidente da ABI, Margarida Pressburger rechaçou o recrudescimento da violência policial e chamou a atenção para o papel social do jornalista no contexto da democracia.

— Estamos vivendo um momento muito peculiar no Brasil, pois ao mesmo tempo em que crescem as manifestações, demonstrando que a juventude está ativa, explode a violência daqueles que deveriam nos proteger. A violência contra jornalistas, contra aqueles que nos trazem a notícia e que cumprem uma missão, é inaceitável, assim como a violência contra manifestantes pacíficos, como estamos vendo acontecer. Estou preocupada, mas não tenho medo. A garotada também está enfrentando todos os medos nas ruas. Gostaria de sublinhar o trabalho da Mídia Ninja, que nos oferece a informação isenta, livre da manipulação que caracteriza alguns jornais de grande circulação em todo o país. O que estamos vendo são imagens reais de uma sociedade que está nas ruas levantando bandeiras importantes e repudiando qualquer forma de violência.

Censura

Paula Mairan também assinalou a mobilização popular como um marco na trajetória de luta dos movimentos sociais no país:

— A atual conjuntura sinaliza o despertar de consciências e representa um importante momento histórico. Contudo, observamos reações adversas a situações que fragilizam a categoria dos jornalistas, que foram construídas ao longo do tempo e se revelam agora em forma de violência. O jornalista sofre a violência do Estado, a violência dos patrões e a violência de alguns manifestantes, justamente uma categoria que historicamente sempre combateu a violência. Durante a ditadura, por exemplo, a participação dos profissionais de imprensa foi essencial na luta contra a opressão e a censura. Muitos jornalistas morreram e tantos outros foram presos e torturados em nome da liberdade de imprensa e da liberdade política no nosso país.

Para a recém-eleita presidente do SJPMRJ, a violência contra a imprensa evidenciada pelos manifestantes está relacionada ao monopólio da mídia imposto pelos donos dos meios de comunicação:

— Em nosso país vivenciamos a ausência de espírito democrático na Comunicação. A mídia está concentrada nas mãos de poucos empresários, que controlam a linha editorial dos veículos resultando em censura e manipulação. A revolta da população contra a manipulação da notícia está sendo transferida para a figura do jornalista. Nada justifica a violência contra os profissionais de imprensa.

O aprofundamento do debate sobre a realidade da mídia no Brasil é, na opinião de Paula Mairan, fundamental para ampliar o diálogo com a sociedade:

— Há pouca compreensão sobre o verdadeiro papel do jornalista. Desejamos trabalhar com autonomia e respeito ao código de ética da nossa categoria, que, por exemplo, nos dá o direito de negar tarefas que possam ferir os valores éticos da profissão. A crescente violência representa uma ameaça à liberdade de imprensa e à democracia. Vejo com muita preocupação a tentativa de preservar a segurança e o trabalho dos jornalistas passando pela via militarizada. A solução está na ampliação do diálogo da categoria com a sociedade. É preciso que a população entenda o sistema de monopólio no qual se insere a imprensa brasileira.

Inimigo

O sociólogo e cientista político Paulo Baía resgatou o contexto histórico da trajetória da polícia militar no Brasil e o perfil repressor das forças de segurança:

— A violência contra os jornalistas é emblemática no sentido em que representa a violência contra todas as formas de liberdade. A Polícia Militar brasileira foi criada em 1808, como uma força de segurança para proteger o Estado e a família imperial contra o povo, para eles a figura do inimigo. A estrutura da PM está organizada até os dias de hoje em torno da defesa do Estado e não da população. Precisamos de uma nova estrutura policial que defenda a soberania nacional, mas também a sociedade. Essa discussão tem pelo menos 60 anos. Já era feita por Tavares Bastos e por Ruy Barbosa. É preciso destacar que convém às elites um tipo de polícia que percebe a população como inimiga.

Em sua análise, o cientista político ressaltou que, apesar das limitações impostas ao jornalista pelo monopólio das mídias de largo alcance, o discurso da imprensa consegue ser percebido:

— O trabalho da imprensa gera ruídos, e os fatos acabam transbordando, mesmo diante da imposição de uma linha editorial. A discussão clássica que enaltece a versão em detrimento do fato é utilizada porque são produzidas narrativas e versões, mas os fatos estão aí para superá-las.

Paulo Baía destacou o exemplo de outros países para a renovação da estrutura policial:

— A criação de uma nova polícia é uma solução viável. Esta realidade já foi vivenciada na Inglaterra, em Nova Iorque, oito vezes, em Chicago, seis vezes, na Alemanha pós-unificação, e na Polônia. O momento atual é de preocupação porque estamos vendo um estado de natureza esquizofrênica e uma estrutura jurídico-política e cultural sob a forma de regime de exceção. Precisamos refutar qualquer tipo de violência e lembrar que o jornalista a enfrenta dentro e fora das redações. O monopólio da fala é limitado no momento em que cada um de nós pode filmar, editar e postar a informação. Este processo comunicativo horizontal e circular está gerando alegria e esperança. A população se encantou com a política e quer participar dos processos decisórios. Esta é a mensagem das ruas.

Na segunda parte do evento a plateia interagiu com os debatedores fazendo perguntas sobre o tema principal do debate e a respeito de assuntos correlatos de interesse da categoria.