30/06/2010
A Associação Brasileira de Imprensa(ABI) sediou nesta quarta-feira, dia 30, o evento “Direitos Humanos no Rio de Janeiro: construir a memória para resguardar o futuro”. O ato, realizado no Auditório Oscar Guanabarino, localizado no 9º andar do edifício-sede da Associação, foi organizado pela Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH) que promoveu a reparação simbólica de 150 ex-presos políticos do regime militar, e anunciou um conjunto de sete ações que consolidam a agenda dos Direitos Humanos no Estado.
Na solenidade que marcou a semana pelo Dia Mundial de Combate à Tortura, 26 de junho, o Governador Sérgio Cabral sancionou o Decreto de criação do Comitê Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo, e as leis que criam o Comitê Estadual para a Prevenção e Combate à Tortura, e o Conselho Estadual dos Direitos Humanos.
No mesmo ato foi lançado no Rio de Janeiro o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, cujo objetivo é proteger ativistas ameaçados por sua atuação na área, e assinado um convênio com a UFRJ para revisão do Plano Estadual de Direitos Humanos, através do qual serão estabelecidas diretrizes e uma agenda efetiva para o setor.
Na pauta dos Direitos humanos e Igualdade Racial foi anunciada a realização de quatro seminários regionais dedicados à construção de diretrizes e metas para promoção da igualdade racial e étnica.
Participaram da concorrida cerimônia Paulo de Tarso Vannuchi, Ministro da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República; Tereza Souza, Ministra em Exercício da Secretaria de Política para as Mulheres; Jorge Picciani, Deputado Estadual, Presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro(Alerj); Ricardo Henriques, Secretário Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos; Maurício Azêdo, Presidente da ABI; Felipe Gonzáles, Presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos; Wadih Damous, Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil(OAB), Seccional do Estado do Rio de Janeiro; José Raimundo Batista Moreira, Defensor Público Geral do Estado do Rio de Janeiro; Regis Fichtner, Secretário de Estado da Casa Civil; Luiz Fernando de Souza, Vice-governador do Estado do Rio de Janeiro.
A atriz e cantora Zezé Mota, Superintendente de Igualdade Racial da SEASDH, conduziu a solenidade e pediu um minuto de silêncio em memória aos anistiados políticos.
O Presidente da ABI, jornalista Maurício Azêdo abriu o evento destacando o papel da Associação na defesa das liberdades:
—Quero dizer que a ABI se sente muito confortada em poder abrigar esta reunião que é um momento de afirmação dos valores da democracia pelos quais tanto nós lutamos ao longo do período 1964-1985.
Ricardo Henriques, Secretário Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, detalhou as ações de promoção dos direitos humanos:
—Este momento concretiza uma agenda urgente e efetiva no campo dos direitos humanos. Os temas têm grande significação para todos os indivíduos aqui representados e que tiveram seus direitos violados sob as condições mais degradantes de tortura e de trabalho escravo. Conseguimos consolidar neste conjunto de elementos uma história que coloca o Rio de Janeiro na fronteira da agenda dos Direitos Humanos no País.
O papel da ABI na condução do processo democrático no País foi destacado pelo Secretário:
—Na Semana do Dia Internacional de Combate à Tortura, fizemos tudo para realizar este ato na ABI, símbolo do passado e do presente da democracia. Esta Casa permite o reconhecimento do passado e ao mesmo tempo uma miragem sólida em direção ao futuro. Gostaríamos de homenagear os anistiados políticos presentes em corpo e espírito e a todos os seus familiares, e cumprimentar a todos, em nome de Emir Amed e da cineasta Lúcia Murat.
Ricardo Henriques sublinhou também a parceria do Governo do Estado com diversas instituições para a efetivação das ações anunciadas:
—Temos um conjunto de agendas contempladas em parceria com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro(UERJ), como o projeto de revisão do Plano Estadual de Direitos Humanos. O objetivo é atualizá-lo e colocá-lo em sintonia com o PNDH 3. Estamos relançando, em conjunto com a Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ), o Plano Estadual de Igualdade Racial. Inauguramos neste momento, juntamente com a Defensoria Pública, o Programa de Defensores de Direitos Humanos que se soma aos Programas de Proteção de Testemunhas e de Vítimas Ameaçadas e de Proteção de Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte.
Na sequência o Governador Sérgio Cabral — em conjunto com o Ministro Paulo Vanucchi e o Secretário de Estado Ricardo Henriques — assinou a adesão do Governo do Estado do Rio de Janeiro ao Plano Nacional de Ações Integradas de Prevenção e Combate à Tortura e o Termo de Cooperação com a Defensoria Pública para a implantação do Programa Estadual de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos. No mesmo ato Sérgio Cabral sancionou o projeto de lei que reordena o Conselho Estadual de Direitos Humanos; criou o Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura; e assinou o decreto para o Comitê Estadual pela Erradicação do Trabalho Escravo.
Jorge Picciani, Presidente da Alerj, aplaudiu as iniciativas:
—Este parlamento foi capaz de anistiar todos aqueles que foram perseguidos. Não há no Parlamento do Rio de Janeiro um funcionário ou parlamentar que caçado por defender a liberdade e a democracia não tiveram os seus direitos resguardados, garantidos e anistiados. Fizemos isto sob a caneta de Marcelo Cerqueira, ex-Procurador-Geral da Alerj, de tantas lutas em defesa das liberdades e contra a ditadura. Um dos primeiros atos foi a anistia do socialista Jamil Haddad. Hoje, quando o Governador sanciona a lei de autoria do Deputado Alessandro Mólon, do Deputado Gilberto Palmares, e cria o Comitê, que, na verdade, é o controle social, de autoria dos Deputados Marcelo Freixo, Luiz Paulo Corrêa da Rocha, e da minha autoria, digo que o Rio de Janeiro está nó caminho para manter a democracia, não permitindo retrocessos, violência, tortura, ou qualquer situação degradante contra o ser humano. Com grande alegria participo deste ato nesta Casa histórica, a ABI.
Felipe Gonzáles, Presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, também destacou a relevância da nova agenda dos Direitos Humanos no Estado do Rio de Janeiro.
—Representantes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos estão em visita ao Brasil para avaliar a situação da violência policial, racismo e segurança no Brasil. O objetivo é apoiar ações para o fortalecimento e proteção dos direitos humanos no Brasil. Como Presidente da Comissão e relator pelo Brasil, é muito importante participar deste ato na ABI. Será primordial que as iniciativas estejam interligadas nos níveis estadual e federal, como estão sendo aqui anunciadas. Quero felicitar o Rio de Janeiro pela iniciativa e também as vítimas da ditadura e seus familiares pela perseverança e a luta sem trégua para alcançar a democracia.
Dando continuidade ao evento, Sérgio Cabral, Paulo Vanucchi e Ricardo Henriques fizeram a entrega do pedido oficial de desculpa do Estado do Rio de Janeiro contra os atos praticados durante a ditadura militar à Jussara Ribeiro de Oliveira Batista, Nilson Venâncio e Aquiles Ferrari.
—Com alegria sanciono o projeto de lei que remodela o Conselho Estadual dos Direitos Humanos. Agradeço a oportunidade de assinar o Convênio do Plano Estadual dos Direitos Humanos, a elaboração do Plano de Igualdade Racial, e o decreto do Comitê de Erradicação do Trabalho Escravo. Segundo o Ministério Público do Trabalho, o Rio de Janeiro foi o estado campeão em 2009 de casos de trabalhadores resgatados do trabalho escravo. Temos um papel importante neste sentido, em especial, no Norte e no Noroeste Fluminense, onde há muito atraso nesta área. É importante também trazer os defensores para a pauta dos Direitos Humanos. O projeto de lei que cria o Comitê Estadual do Combate à Tortura tem o papel fundamental para a implementação de políticas públicas neste campo. Estabelecemos ainda a adesão do Estado ao Plano Nacional e a execução da Lei 3744/2001, do Deputado Carlos Minc, que garante aos ex-presos políticos do Rio de Janeiro o direito à reparação do Estado e o pagamento de uma indenização, disse Cabral.
O Governador apontou também a necessidade de ampliar a parceria com a sociedade para o avanço das iniciativas:
—Ainda há muitas diferenças sociais, desigualdades, discriminação racial, sexual, religiosa, má conduta por parte da sociedade, de servidores públicos, do empresariado. Tudo isto só poderá ser enfrentado com seriedade e políticas públicas consistentes com o Estado, inclusive, reconhecendo os seus erros. Assim sendo, na qualidade de Governador do Rio de Janeiro, peço a todos os anistiados políticos e à seus familiares presentes — e aqui faço um parêntese de quem aos 7 anos de idade visitou o pai na cadeia na Vila Militar — o pedido de desculpas do Estado do Rio de Janeiro.
Em nome dos 150 anistiados políticos na cerimônia Aquiles Ferrari discursou representando o Fórum de Reparação e Memória do Estado do Rio de Janeiro, a Associação dos Anistiados da Petrobras, a Unidade de Mobilização Nacional pela Anistia, a Associação Nacional dos Anistiados Políticos, Aposentados e Pensionistas, Associação dos Anistiados Políticos, a Associação dos Trabalhadores Aposentados e Pensionistas Anistiados da Petrobras e Subsidiárias, a Associação de Anistiados do Banco do Brasil, a Associação dos Metroviários Aposentados e Pensionistas, o Sindicato dos Metroviários do Estado do Rio de Janeiro, o Fórum dos Operários Navais e Metalúrgicos, o Movimento Democrático pela Anistia e Cidadania, o Movimento Nacional dos Direitos Humanos, e a Associação dos Militares Pró-Anistia:
—O que nos levou a criar esta rede de entidades foi a luta pela efetivação do direito à reparação econômica simbólica prevista na Lei 3744/2001, e pela reinstalação da Comissão Estadual de Reparação, que havia, em dezembro de 2006, encerrado seu prazo de existência sem ter examinado 175 requerimentos e recursos pendentes. Ao longo destes anos a rede de reparação ampliou sua agenda e a luta pela reparação integral; reparação no sentido amplo do termo, pela verdade, pela memória, pela justiça. Por uma reparação mais justa para os que viveram a barbárie da tortura e que tiveram seus companheiros desaparecidos e mortos. Lutamos para que a sociedade conheça o que aconteceu na época da ditadura e para que nunca mais se esqueça. Lutamos para que os responsáveis pelos atos de violência do Estado sejam identificados e julgados. Vivemos na carne a dolorosa experiência da tortura. Milhares foram presos, perseguidos; outros viveram no exílio, foram assassinados. Famílias e amigos ainda lutam para conseguir os restos mortais dos desaparecidos. Tivemos os nossos projetos de vida interrompidos. Não queremos que esta situação volte a se repetir. Hoje, 150 de nossos companheiros estão recebendo a compensação econômica simbólica. Para muitos, decorridos quase meio século de espera longa demais. Cerca de 1/3 faleceu, outros adoeceram. Somos uma raça em extinção. Até o momento, foram julgados 1010 dos 1115 processos, Dos cerca de 920 deferidos, apenas 17% receberam a reparação até a data de hoje, quando mais 150 estão sendo contemplados.
Após o aplaudido discurso a cerimônia prosseguiu com a exibição do vídeo “Memória e Direitos Humanos” realizado pela Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos e pelo Núcleo de Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro(PUC-RJ). O trabalho reúne depoimentos de presos políticos e de seus parentes, como Maria Victória, irmã do sargento Lucas; Iara Alves, irmã do sargento Alves; João Luiz Azeredo Rodrigues e Jayme Henrique de Azevedo Rodrigues, filhos do Embaixador Jair Azevedo Rodrigues; a cineasta Lucia Murat, Emir Ahmed, Sueli Mendes, filha de José Mendes.
No encerramento do encontro, o Ministro Vanucchi ressaltou a relevância da consolidação de ações pelos Direitos Humanos:
—Hoje se reúnem aqui inúmeros eventos do legislativo e do executivo, com presença de organismos do judiciário para juntos darmos mais um passo decisivo neste local simbólico, que é a ABI, onde na próxima semana estaremos homenageando Mário Alves, jornalista, comunista, assassinado sob tortura em janeiro de 1970, no DOI-Codi. As ações assinadas aqui, com muito destaque para a revisão com a UFRJ do Programa Estadual de Direitos Humanos, representam a retomada do secular, talvez milenar, sonho de concretização dos sentidos de liberdade, igualdade e solidariedade. Parabéns ao Rio de Janeiro.