Por Cláudia Souza
23/01/2015
A Associação Brasileira de Imprensa (ABI), o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP), a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) e dezenas de entidades representativas de vários credos realizaram no final da tarde desta quarta-feira, dia 21, o ato público “Liberdade Religiosa, Liberdade de Expressão em Solidariedade às Vítimas de Intolerância no Brasil, na França e na Nigéria”, pelo Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa.
Os atentados terroristas na França e em outros países do mundo suscitaram o encontro que contou com a presença de representantes de diversas religiões, jornalistas, pesquisadores, historiadores e , que discutiram a discriminação religiosa no Brasil e no mundo.
— A Comissão sempre faz algo neste dia justamente porque uma sacerdotisa do Candomblé morreu, nesta data, quando viu sua foto estampada na capa da “Folha Universal” em matéria intitulada “Macumbeira charlatã”. Este tipo de postura raivosa não constrói, a exemplo do que ocorreu na França. Convivemos com muçulmanos na Comissão, e o que todos pregam não tem vinculação com sentimentos de ódio, morte e intolerância. Toda pessoa que conhece a importância de sua fé deve respeitar a do outro. Tenho a certeza de que atos terroristas não partem de fiéis do Islamismo, disse Ivanir dos Santos.
Instituído como Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, a data remete à morte de Gildásia dos Santos e Santos, fundadora do Ilê Axé Abassá de Ogum, terreiro de Candomblé localizado nas imediações da Lagoa do Abaeté, bairro de Itapuã, Salvador (BA). A mãe de santo foi vítima de AVC em 21 de janeiro de 2000, após ter seu rosto estampado na capa de publicação da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) com a manchete “Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes”.
— O trabalho da CCIR é pela liberdade para todos, sem demonizações de religiões e respeito também pelos que não têm fé. Somos todos cidadãos e vivemos em um estado laico. Discursos fundamentalistas como os que vitimaram Mãe Gilda carregam a mesma marca do fanatismo que os atos extremistas contra a sede do jornal Charlie Hebdo. Por isso, chamamos a atenção da sociedade, mais uma vez, para o fato de que é preciso estar atenta ao respeito aos diferentes credos, incluindo ateus e agnósticos. Além de debates e shows gratuitos, a CCIR organiza eventos em 21 de janeiro pela comemoração do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. No próximo dia 20 de setembro, cristãos, muçulmanos, judeus, umbandistas, candomblecistas, espíritas, ciganos, pagãos, budistas e membros de outras religiões vão participar da “Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa”, na Praia da Flamengo, Zona Sul do Rio.
Representante da ABI no evento, Jesus Chediak, diretor cultural entidade, defendeu a liberdade de expressão, e destacou critérios a serem observados para o avanço das conquistas. “Nada justifica metralhar pessoas. Isso é uma barbárie, mas, por outro lado, não se pode ridicularizar. Não vou bater palma para quem fazia isso. Na medida em que estou falando mal de um orixá, por exemplo, estou atingindo aquele grupo humano que acredita naquilo. Isso não é liberdade. É perder o limite.”
A Mesa de Honra do evento foi formada por 12 representantes de religiões e de entidades da sociedade civil. Na abertura do evento, o babalawoo Ivanir dos Santos reforçou a importância do debate global em torno do tema proposto: “Não foi fácil construir um ato que trouxesse novos atores à cena. Hoje é um dia importante ao convidar a sociedade para uma responsabilidade coletiva e tinha que ser nessa Casa que tem um histórico de luta pela liberdade de expressão.”
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Discriminação
Dando prosseguimento ao debate, o presidente da Federação Israelita-RJ, Paulo Maltz falou sobre a relevância da união da sociedade para que o Brasil e outros países do mundo não enfrentem conflitos discriminatórios.
O pastor evangélico Ayo Balogun discorreu a respeito do preconceito e da discriminação na Nigéria, além do avanço do preconceito na região. “muçulmano e terrorista não são palavras correspondentes. É preciso haver reflexão”.
A pastora luterana Lusmarina Campos Garcia, do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Rio de Janeiro, destacou que não se pode aceitar também atos de discriminação contra muçulmanos, como ocorre em várias partes do mundo, por estabeleceram ligação entre eles e os atos violentos praticados por extremistas islâmicos na sede do jornal Charlie Hebdo, em Paris.“Nem a liberdade religiosa nem a liberdade de expressão podem ser instrumentalizadas para construções falsas. É preciso ter cautela neste momento. Nós precisamos tomar muito cuidado para não reforçar a construção que associa terrorismo ao Islã; construção essa que tem caráter político e interesse econômico. Muçulmano e terrorista não são duas palavras correspondentes.”
Para o diácono Nelson Augusto Águia, que representou o arcebispo dom Orani Tempesta, da Arquidiocese do Rio de Janeiro, na reunião, neste momento os religiosos devem ter um testemunho de harmonia, de paz e de misericórdia. “A paz não vem pela polícia nem pela política, mas através do respeito, do diálogo e da compreensão. Tudo isso devemos praticar e ressaltar para que não fiquem na masmorra. O papa Francisco tem pedido muito respeito com todos os credos.”
A respeito dos aspectos legais que garantem a liberdade religiosa e de expressão, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Wadih Damous sublinhou que a ampla liberdade é um direito de todos os cidadãos. “Somente uma entidade laica, com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pode assegurar os direitos de quem professa uma religião ou o ateísmo.”
O diálogo e a comunhão também foram defendidos pelo pastor Marcos Amaral, da Igreja Presbiteriana, por Cláudio Nascimento, representante da Secretaria Estadual de Direitos Humanos; pela umbandista Marilena Mattos, do Movimento Umbanda do Amanhã (MUDA) pelo desembargador Siro Darlan e pelo músico Marquinhos de Oswaldo Cruz.
Manifesto
No encontro, os líderes religiosos divulgaram em uma “Carta Aberta em Defesa da Liberdade Religiosa e de Expressão” que defende “a liberdade religiosa como um patrimônio social que precisa ser devidamente resguardado para que extremistas não cometam crimes em nome de Deus”. No documento, os signatários pedem a criação de um Plano Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Para Ivanir dos Santos este é o momento de promover a ética e a discussão responsável do tema pela sociedade. “Falam das responsabilidades dos dois segmentos que neste momento estão em evidência, que são os religiosos e a imprensa, das nossas responsabilidades de um espaço e diálogo comum para construir um Plano Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, com intelectuais e todo mundo que queira participar, inclusive aqueles que não concordam com a gente, porque têm direito de falar, mas em um foro apropriado. Não podemos ter medo do debate”, destacou Ivanir dos Santos.
Na avaliação da pioneira do movimento Hare Krishna no Brasil e integrante da CCIR, Raga Bhumi Devi Dasi, a diversidade de religiões que existe no país precisa ser mais divulgada para ser mais entendida pela sociedade. “Para que a população comece a compreender que existe uma diversidade religiosa e que cada um tem a sua religião, assim como existem diferentes classes, raças, culturas, falamos línguas diferentes também. Cada religião deve ser respeitada em suas tradições e seus valores. Isso não invalida que a gente evolua mais.”
O diretor da União Nacional das Entidades Islâmicas, xeque Mohamad Al Bukai, muçulmano sunita, teme que a violência praticada por intolerância religiosa possa se estender ao Brasil. Para ele, o país é um exemplo de convivência harmoniosa e, por isso, a violência tem que ser condenada. “O terrorismo não tem religião. Nossa comunidade islâmica já está consciente e considera o Brasil seu país. Os muçulmanos são brasileiros aqui e fazem parte deste tecido maravilhoso. Espero que não estraguem essa convivência. Temo porque tem sempre o risco. Quando o interesse fala mais alto do que os direitos humanos, fico com medo. Quando a política e o ego falam mais alto, eu tenho medo mesmo.” ‘
Al Bukai disse ainda que é preciso fazer diferença entre crime e direitos humanos. O líder muçulmano criticou o uso da violência para defender a religião. “É injusto quando se liga a religião a esses crimes. Não só contra o Islã, mas contra outras religiões”, defendeu, acrescentando que o caminho para as soluções das divergências tem que ser o diálogo.
Para o xeque, a liberdade de expressão não significa desrespeitar os outros, mas ter responsabilidade sobre os próprios atos. “A religião é a base do amor pelo próximo. Todos somos descendentes de uma família só. Todos somos moradores de um mesmo planeta. Como se estivéssemos em um avião só. Qualquer erro de um membro não prejudica ele só. Vai prejudicar todos. A gente tem que ter essa consciência. Nossa política tem que ser humanitária e não só econômica”, analisou.
Para o primeiro clérigo xiita brasileiro, xeque Rodrigo Jalloul, do Centro Cultural Imam Hussein, que também estava no encontro, atualmente, os muçulmanos estão sendo discriminados em várias partes do mundo, além de serem mortos pelos próprios grupos terroristas que justificam os atos violentos como forma de defesa do islamismo. “Acredito que o primeiro passo para a sociedade não ter fanatismo é orientação sobre a questão do respeito. Isso parte da junção dos líderes religiosos, então, cristianismo, judaísmo, umbanda, candomblé. Não importa a religião. Os líderes têm de estar unidos e mostrar para as suas comunidades que estamos unidos e temos respeito entre uns e outros.”
Leia abaixo o manifesto lançado na ABI:
CARTA ABERTA EM DEFESA DA LIBERDADE RELIGIOSA E A DE EXPRESSÃO
“A liberdade de religião e de opinião são consideradas como direitos humanos fundamentais.
A liberdade de religião inclui ainda a liberdade de não seguir qualquer credo, ou mesmo de não ter opinião sobre a existência de um DEUS.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada pelos 58 estados membros das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, no Palais de Chaillot, em Paris, define a liberdade de religião e de opinião no seu art. 18, que assim preceitua:
“Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.”
A liberdade religiosa é um patrimônio social, que precisa ser devidamente resguardado para que extremistas não cometam crimes em nome de DEUS. Ele não deseja que seus e suas filhas se matem em nome de uma verdade insana nunca propagada, pois DEUS não ensinou e muito menos referendou em nenhum texto sagrado.
Igualmente importante é a liberdade de expressão, que assegura o livre pensar, que significa a maior distinção humana. O grande desafio é harmonizar a liberdade de exprimir o pensamento, sem que se fira a liberdade de crer, respeitando as opiniões e as pertenças sagradas de cada ser e de cada povo.
Saber encontrar o equilíbrio entre as liberdades é a tarefa que a sociedade não apenas nacional, mas mundial, tem neste momento.
A lei resguarda as duas liberdades em iguais patamares, dando a ambas a dimensão de pilares da democracia.
Desta forma, não se poderá aceitar que a arrogância dos pretensos donos da verdade, nem o fanatismo dos fundamentalistas, possam fazer ruir as mais sublimes conquistas sociais: a liberdade de crer, ou de não crer e a liberdade de se exprimir.
Queremos que a laicidade do estado seja respeitada e resguardada, para que plataformas políticas não se confundam com proselitismo religioso; para que espaços públicos sejam verdadeiramente usufruídos em condições iguais, sem preconceito, nem vantagens direcionadas. Para que instituições governamentais, não se transformem em púlpitos de templos, sejam eles quais forem.
Queremos que todos possam livremente pensar e se expressar, sabendo entender e respeitar os valores alheios.
Não aceitamos mordaças. Não aceitamos imposição, nem a discriminação de credos. Queremos uma sociedade livre, democrática e plural, que seja capaz de abraçar todas as formas de expressão cultural, sexual, intelectual, religiosa, étnica e tradições orais.
Queremos paz!
Por um Plano Nacional de Combate à Intolerância Religiosa”
ENTIDADES SIGNATÁRIAS:
Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR)
Associação Brasileira de Imprensa (ABI)
Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap)
Arquidiocese da Cidade do Rio de Janeiro
Associação Nacional de Mídia Afro (ANMA)
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic)
Koinomia Presença Ecumênica
Fórum Ecumênico ACT Brasil – FEACTBRASIL
Congregação Espírita Umbandista do Brasil (Ceub)
Centro de Integração da Cultura Afro-brasileira (Ciafro)
Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro (Fierj)
Temenos Aetós Thesmophoros – Tradição Wiccana Heládica
União Cigana do Brasil (UCB)
Masjid Nur – Mesquita da Luz
Movimento Umbanda Do Amanhã (Muda)
Círculo Religioso Pai Joaquim de Aruanda (Cirpaija)
Irmandade dos Crêoulos Africanos Mulçumanos Malês (Icammalês)
Cenro Cultural lorubá – Cultura, Identidade e Resistência
Suldanesa no Brasil e Mussalla Pacifico Likutan
Ilê Axé D’Ogun-Já
União Wicca do Brasil (UWB)
Conselho Espírita do Estado do Rio de Janeiro (Ceerj)
Casa de Jurema
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ)
Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro (SBMRJ)
Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
Casa Cristã de Caridade Irmandade Batuíra e Pai Miguel das Almas
Ilé Àsé d’Ogunjá
União Espiritualista de Umbanda do Estado do Rio de Janeiro
CROHR – Circulo Religioso Ogum Horus Rá (CROHR)
Comunidade Bahá’í do Brasil
Coordenadoria Geral de Direitos Humanos da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro
Religião de Deus