Por Igor Waltz*
19/05/2014
A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) vai sediar, na próxima quarta-feira, 21 de maio, um ato de protesto contra a intolerância religiosa, em solidariedade às religiões afro-brasileiras. O evento, que acontece a partir das 17h no 9º andar do edifício-sede da entidade, é uma resposta ao juiz Eugênio Rosa de Araújo, da 17ª Vara Federal do Rio, que alegou que tais crenças “não contêm os traços necessários de uma religião”, que seriam um texto base, como o Corão ou a Bíblia, estrutura hierárquica e um Deus a ser venerado.
Araújo negou o pedido de retirada de vídeos com mensagens de intolerância contra religiões como a umbanda e o candomblé. Na sentença, Araújo coloca que “as manifestações religiosas afro-brasileiras não se constituem em religiões, muito menos os vídeos contidos no Google refletem um sistema de crença – são de mau gosto, mas são manifestações de livre expressão de opinião”. O Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF-RJ) vai recorrer da decisão.
O caso foi parar na Justiça quando a Associação Nacional de Mídia Afro tentou retirar os vídeos da internet. No recurso, o procurador regional dos Direitos do Cidadão, Jaime Mitropoulos, argumenta que os 15 vídeos em questão caracterizam crime de ódio, pois são baseados na “intolerância e na discriminação por motivos religiosos”, ressaltando que a comunidade internacional “praticamente chegou ao consenso sobre a necessidade de coibir práticas desse tipo”.
Ela cita a promulgação de documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos (1966), a Declaração Sobre a Raça e os Preconceitos Raciais (1978) e a Declaração sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e discriminação fundadas na religião ou nas convicções (1981).
No agravo de instrução, o procurador destaca também que o Ministério Público Federal expediu recomendação para que a Google Brasil retirasse os vídeos da internet. Mas, segundo ele, a empresa manteve os vídeos sob o argumento de que “tudo não passa de um fiel retrato da liberdade religiosa do povo brasileiro”.
Para o presidente da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), Ivanir dos Santos, o juiz Eugênio Rosa de Araújo não se posicionou na decisão com a neutralidade que requer o cargo. “Eu acho que o juiz não externou uma posição como juiz, ele externou uma posição como uma pessoa que tem uma religião, e o estranho é que ele é um funcionário de um estado laico. Ele, na verdade, ofende a lei que ele tem que zelar, o próprio artigo da constituição que fala de discriminação de religião e preconceito”.
Santos informa que o CCIR fará uma reunião na próxima semana sobre a questão para, se for o caso, denunciar o juiz ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Procurado pela Agência Brasil, o CNJ não comentou a decisão e disse que “é órgão administrativo do Judiciário e não tem interferência sobre questões judicializadas”.
Para o jurista Alexandre Aragão, a decisão do juiz também fere a constituição brasileira. “Das primeira classificações básicas de religiões existentes é justamente entre as religiões politeístas, que acreditam em mais de um deus, e as religiões monoteístas, que acreditam em apenas em um deus. E não cabe a um juiz diminuir a proteção que a constituição dá a todas as expressões religiosas”, disse. “Ao reduzir o conceito de religião a apenas três religiões, que são as três grandes religiões monoteístas, ela deixa desprotegida uma grande parcela de expressões religiosas que a constituição protege sim”, acrescentou.
*Com informações da Agência Brasil e G1.