Ato na ABI lembra 50 anos da morte de Salvador Allende e do golpe militar no Chile


Com informações da Agência Brasil
Fotos: Moysés Côrrea

Octávio Costa, presidente da ABI

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) recebeu, nesta segunda-feira (11), o ato Allende Não se Rende, em memória dos 50 anos da morte de Salvador Allende, presidente do Chile, em 11 de setembro de 1973. O evento foi organizado pela Fundación Salvador Allende e pela ABI.

Foi um evento histórico e emocionante que lotou o auditório do 9º andar da ABI. O evento foi apresentado pelo presidente do Conselho Deliberativo da ABI, Marcos Gomes, e foi aberto pelos músicos Joe Vasconcelos e Marcelo Costa, que cantaram uma música dos mapuches, povos originários do Chile.

Em sua saudação inicial, o presidente da ABI, Octávio Costa, disse que o Ato em homenagem a Allende reafirma a tradição histórica da ABI sediar grandes eventos em defesa do Estado Democrático de Direito: “Lembrar Allende é lembrar a sua bravura, a sua coragem e seus princípios em defesa da democracia, mas é também agradecer ao povo chileno por ter acolhido tantos brasileiros exilados, perseguidos pela nossa ditadura, que viram no Chile de Allende uma esperança”, afirmou.

O evento teve, também, a participação de do jornalista chileno Miguel Davagnino; de Alfredo Saint Jean Domic, da Fundacción Salvador Allende; dos deputados federais Jandira Feghalli, Chico Alencar e Reimont; dos deputados estaduais Carlos Minc e Marina do MST; do saxofonista Leo Gandelman; da atriz Bete Mendes e da diretora de Cultura da ABI, Iara Cruz, que leram uma carta de Pablo Neruda a Allende; de Isabella Thiago de Mello, filha do poeta Thiago de Mello, que viveu no Chile na época de Allende; de Luiz Rodolfo Viveiros de Castro e Flávia Cavalcanti, do Viva Chile; e foi encerrado por Javiera Parra, neta de Violeta Parra, que cantou Gracias a La Vida. Durante o evento foi exibida uma mensagem do embaixador do Chile no Brasil, Sebastián Depolo; e um trecho de uma entrevista de Salvador Allende ao filósofo e jornalista francês, Regis Debray, em 1971.

Veja algumas fotos do evento:

Marcos Gomes

Joe Vasconcelos e Marcelo Costa

Miguel Davagnino, jornalista chileno

Alfredo Saint Jean Domic, da Fundacción Salvador Allende

Jandira Feghali, Chico Alencar, Carlos Minc, Marina do MST e Reimont

Sebastián Depolo, embaixador do Chile no Brasil

Entrevista de Allende ao filósofo e jornalista francês, Regis Debray, em 1971

Leo Gandelman

Bete Mendes e Iara Cruz

Isabella Thiago de Mello

Luiz Rodolfo Viveiros de Castro e Flávia Cavalcanti, do Viva Chile

Javiera Parra

Mais de 600 pessoas lotaram o auditório do 9º andar da ABI

Veja aqui a matéria da TV Brasil sobre o Ato.

Veja aqui a íntegra do Ato transmitido pelo canal ABITV no Youtube.

Em entrevista à Agência Brasil, o presidente da ABI, Octávio Costa, disse que o ato se soma aos eventos que estão sendo realizadas nesta data, com o mesmo objetivo, no Chile. “São atos em homenagem à resistência heroica e ao simbolismo todo de Salvador Allende para a América do Sul”, disse Octávio Costa. Para ele, o ato em memória de Allende tem tudo a ver com a própria história da ABI de defesa do estado democrático de direito, que marca a entidade desde sua criação e com alguns momentos marcantes, como a resistência à ditadura e as campanhas pela anistia e pelas Diretas Já – “todos momentos importantes na história da ABI e por toda a simbologia representada por Allende”. “

A ABI se sentiu honrada ao ser escolhida para sediar esse evento no Brasil, destacou Costa. Segundo o jornalista, Allende era um símbolo de luta social. “Era um socialista histórico no Chile quando foi eleito presidente, enfrentou a resistência imediata da burguesia chilena e, principalmente, dos Estados Unidos.” Costa ressaltou que hoje existem documentos que comprovam a interferência do governo americano na política do Chile na época, inclusive financiando o movimento de conspiração contra Allende. De acordo com Costa, partiu do então presidente americano Richard Nixon a ordem para derrubar Allende, porque não aceitava um governo popular e, pessoalmente, a resistência de Allende.

Com o Palacio La Moneda sendo bombardeado, o presidente Salvador Allende pediu um salvo conduto aos militares para que os assessores mais próximos e sua filha pudessem deixar o local. Quando os militares lhe ofereceram um avião para que saísse do país na companhia da família, Allende recusou, dizendo que só sairia morto do palácio. “Infelizmente, ele cumpre sua palavra. Depois que todos os assessores se retiram, no dia 11 de setembro, ele vai para o gabinete e grita: ‘Allende não se rende’, repetindo o que havia falado no rádio para o povo chileno. Quando o médico ouve o grito e chega ao local, o encontra caído em uma poltrona, morrendo. Tinha se suicidado”, lembrou Costa.

Para o jornalista, foi um ato heróico de um homem que tinha uma causa, que era o bem-estar da população chilena. “É um exemplo para todos nós, não só para a América do Sul, mas para quem acredita na democracia, para quem acredita que é possível, sim, governar buscando a justiça social”. Allende era médico e dedicou toda a vida ao povo chileno. “Daí, a ABI sediar esse ato, com toda uma simbologia para nós, brasileiros, uruguaios, argentinos, povos que viveram esse tipo de tragédia em um momento muito perto na história. Foi ditadura aqui, na Argentina, no Uruguai e, por fim, no Chile. Nós sofremos tudo isso. Temos essa página sombria na nossa história e daí, a total adesão da ABI a um evento que homenageia o presidente Salvador Allende.”

Agradecimento

Filha do poeta Thiago de Mello, nascida quando ele estava exilado no Chile, no governo de Salvador Allende, a roteirista Isabella Thiago de Mello disse à Agência Brasil que seu pai foi adido cultural na Bolívia de 1959 a 1960 e de 1961 a 1964, no Chile. Após o golpe cívico-militar de 1964 no Brasil, ele entregou o cargo ao Itamaraty, mas continuou trabalhando no Chile como jornalista e editor de revistas, e recebendo a primeira leva de exilados brasileiros que chegavam ao Chile, entre os quais Fernando Henrique Cardoso e José Serra. “Foram três levas de exilados: no primeiro momento do golpe de 1964; depois do Ato Institucional Número 5 (AI5), em 1968; e em 1970, no governo Garrastazú Médici”, citou Isabella.

Quinze dias depois do golpe, o poeta recebeu a notícia, no Chile, da prisão, pela Polícia Militar, do jornalista e escritor Carlos Heitor Cony na redação do jornal. “Ele ficou desesperado porque estava longe, sem poder fazer nada para ajudar o amigo. Morando naquela época na casa do poeta chileno Pablo Neruda La Chascona, em Santiago, Thiago de Mello escreveu ali Os Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente), que dedicou a Cony. Colocou o poema dentro de um envelope e enviou para o jornal Correio da Manhã, que o publicou no dia 30 de maio de 1964.

O poeta enviou uma série de poemas, artigos e crônicas também publicadas pelo mesmo jornal. Voltou ao Brasil em maio de 1965 e, no mesmo ano, em setembro, lançou o livro Faz Escuro mas Eu Canto. O verso acabou servindo de base e inspiração para uma canção Manhã de Liberdade, musicada por Mansueto e cantada por Nara Leão.

Expectativa

Em 1965, havia ainda a expectativa de realização de eleições para a Presidência da República, que não se concretizaram. Quando veio o AI5, acabando com os pedidos de habeas corpus, autorizando a invasão de domicílios sem autorização judicial, Thiago de Mello e sua esposa Lourdes Rodrigues entraram para a clandestinidade. Em 1969, ela foi presa, junto com o irmão Carlito, de 12 anos, que acabou sendo solto. A mãe de Lourdes, com a ajuda do diretor do Jornal do Brasil à época, Odylo Costa, Filho, conseguiu encontrar a filha, que estava grávida. Ela e Thiago, então, exilaram-se no Chile, Como os aeroportos estavam vigiados, eles foram de carro até o Rio Grande do Sul, atravessaram a fronteira para Montevidéu e daí seguiram para o Chile, através da Cordilheira dos Andes, narrou Isabella.

Já como exilado, Thiago recebeu a segunda leva de brasileiros integrada por Glauber Rocha, Carlos Minc, Silvio Tendler e Regina Linhares, entre outros. Quando Isabella nasceu, em Santiago, em 1970, a primeira pessoa a visitar a maternidade em San Isidro, “com flores na mão para Thiago e Lourdinha, foi Salvador Allende”. Em 1973, com o golpe no Chile, os exilados brasileiros foram considerados subversivos. “Foi a volta do terror”, comentou Isabella. Thiago de Mello conseguiu um salvo-conduto para a Alemanha, concedido pela Organização das Nações Unidas (ONU), e viajou com o filho mais velho Alexandre Manuel, o Manduka, do seu casamento com a jornalista Pomona Politis.

“Estou, realmente, muito emocionada e grata à ABI e à Fundação Salvador Allende por poder agradecer tudo o que Allende fez para proteger centenas, milhares de brasileiros exilados no Chile, inclusive meu nascimento, meu pai Thiago e minha mãe Lourdinha”. Isabella definiu o evento em memória de Allende como uma homenagem à democracia, “porque são histórias como essa que não podem mais acontecer”, afirmou. Durante o evento, Isabella declamou poemas de Thiago de Mello.

Testemunha

“Eu estava lá e vi o Rio Mapocho rubro do sangue de estudantes e operários”, contou o ex-ministro do Meio Ambiente e deputado estadual pelo Rio de Janeiro, Carlos Minc, em mensagem enviada à Agência Brasil.

Na mensagem, Minc convida a população e aqueles que defendem a democracia a participar do ato na ABI que homenageia a resistência de Salvador Allende à ditadura chilena. “A gente escapou de um golpe aqui, há pouco tempo, graças à nossa resistência. Vamos apoiar nossos irmãos chilenos que, agora, inclusive, estão prendendo os torturadores, coisa que a gente não fez e deveria ter feito aqui no Brasil. Vamos celebrar a democracia com música, com emoção, juntos”.

Minc acentuou que este é um momento importante. “Não podemos deixar isso passar em branco.”

Luta

A cantora Javiera Parra, neta da compositora chilena Violeta Parra, interpretará músicas compostas pela avó, que eram cantadas por todos aqueles que festejavam a vitória da democracia no Chile com Salvador Allende e o avanço social que ele desejava para o país. Javiera disse à Agência Brasil que é preciso continuar lutando pela causa de todas aquelas pessoas que perderam a vida e por suas famílias, “gente que desapareceu e até os dias de hoje não foi encontrada”.

Para Javiera, houve, até certo ponto, um “retrocesso no Chile”. Segundo ela, o retrocesso foi na capacidade de o país aceitar o que aconteceu: a derrubada da democracia, o genocídio, os crimes cometidos. “Até os últimos 15 anos, não havia negacionismo no Chile. Hoje em dia, existe negacionismo. Isso é muito duro para se ver e se assumir.”

A cantora ressaltou que, apesar disso, a figura de Allende só faz crescer a cada ano em sua dignidade, em sua força, em sua constância e consequência, “porque ele foi um presidente eleito pelo povo do Chile, e isso o transforma em um presidente legítimo, que decidiu ficar em La Moneda e enfrentar o golpe com valentia. Sua figura cresce ano a ano para as novas gerações, que seguem vendo Allende como um ser humano íntegro e que merece respeito”. Para aqueles que, como ela, tinham 5 anos de idade à época do golpe no Chile, Javiera afirmou que “o único que podemos continuar fazendo são homenagens à sua humanidade e à sua valentia”.

Violeta Parra é considerada a mãe da canção comprometida com a luta dos oprimidos e explorados. É autora de clássicos como Volver a los 17, La Carta, cantada em momentos de enorme comoção revolucionária, nas barricadas e nas ocupações, e a lírica Gracias a la Vida, gravada no Brasil por Elis Regina, que renovou o ânimo de gerações de revolucionários latino-americanos.

João Pedro Stedile, do MST, parabenizou a ABI pelo evento.