ABI defende o voto consciente nas eleições


21/09/2012


A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) promoveu nesta sexta-feira, dia 21 de setembro, das 9h às 20h, o seminário “Votar Legal”, organizado pela Comissão de Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da entidade. Os participantes debateram aspectos da política e do processo eleitoral brasileiro e a importância do voto consciente. Jornalistas, cientistas políticos, professores e pesquisadores prestigiaram o encontro realizado na Sala Belisário de Souza, no 7º andar do edifício-sede da ABI.
 
A abertura do evento foi feita pelo Presidente Maurício Azêdo, que saudou os presentes e destacou a relevância do debate em torno do processo eleitoral brasileiro e de ações que contribuem para o voto consciente.
 
— Consideramos que esta iniciativa da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos pode oferecer uma série de indicações sobre o comportamento dos membros da ABI em relação à eleição e às características de todo processo eleitoral do ponto de vista legal. Desejo que as intervenções sejam esclarecedoras para o voto consciente e correto nas eleições de outubro.
 
O tema Ficha Limpa norteou o debate da primeira plenária que reuniu Margarida Pressburger, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB e integrante do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU; Maurício Ribeiro, Procurador-Chefe do Ministério Público Eleitoral do Estado do Rio de Janeiro; e, como mediador, o jornalista Arcírio Gouvêa Neto, Secretário da Comissão de Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI.
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Margarida Pressburger iniciou seu discurso ressaltando os avanços promovidos pela legislação:
— Gostaria de saudar o Presidente Maurício Azêdo, companheiro de longas lutas e dizer que a Lei da Ficha Limpa representa um passo importante, mas não vai modificar o eleitor, pois a mudança virá através da conscientização. Esta lei tem um grande apelo, porque veio do povo e foi criada após um abaixo-assinado com mais de 1 milhão e 500 mil assinaturas, por meio do qual, cansados de roubalheira, mensalões e do que vemos todos os dias na televisão, clamamos por limpeza e transparência nas eleições, o que denota a conscientização para a necessidade de sermos governados por pessoas íntegras em todos os escalões.
 
Sobre a aplicação da lei, Margarida comentou o caso específico do Rio de Janeiro:
— O Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) têm aplicado esta lei. Muitos candidatos foram cassados, impedidos. Por outro lado, temos tido algumas surpresas, como artistas e outras figuras públicas que se candidataram e estão cumprindo o seu papel na política. São políticos ficha limpa trabalhando para o social e não para obter vantagens pessoais. O eleitorado deve prestar atenção nesses detalhes.
 
A Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB destacou a lisura na propaganda eleitoral como elo fundamental para a formação do voto consciente:
— Muitas vezes a propaganda eleitoral pode parecer uma perda de tempo e de dinheiro, mas ela nos dá um sentido. Preocupo-me com os feudos e o coronelismo. Deveria haver um acréscimo à Lei da Ficha Limpa para proibir que o filho ou o irmão de um político se candidate. Quando o político vai a público pedir voto para o parente, esta situação me lembra o tempo das famílias dominantes. Se essa realidade está crescendo com força no município do Rio de Janeiro, imaginem no interior do País, onde as famílias ainda reinam e mandam.
 
Margarida Pressburger disse que a propaganda eleitoral precisa ser revista:
— Assim como os políticos são proibidos de contratar parentes, deveriam ser proibidos de fazer propaganda eleitoral indicando filho, irmão, mãe. O candidato deve ter a sua experiência própria.
 
Em relação ao processo eleitoral no Rio de Janeiro, Margarida Pressburger citou ainda as milícias como entrave ao posicionamento crítico do eleitor:
— Os milicianos dominam regiões inteiras nesta cidade. Vereadores são cassados, mas elegem parentes ou indicam seus sucessores. Várias comunidades elegem certos candidatos de suas áreas até mesmo por medo, enquanto outros candidatos são proibidos de fazer campanha nessas áreas. Esses fatos nem sempre são denunciados. O importante é que a conscientização do eleitor comece na infância, ainda na escola, onde o cidadão deve aprender os valores dos direitos humanos, incluindo o voto consciente em benefício de toda a sociedade.

Inelegibilidade

 
Em seguida, o Procurador Maurício Ribeiro detalhou aspectos sobre a criação da Lei da Ficha Limpa:
— A origem desta lei se encontra na Constituição Federal, no artigo 18, parágrafo 9º, sobre a necessidade de uma lei complementar que estabelecesse causas de inelegibilidade de postulantes a cargos eletivos. Logo em seguida, o Congresso Nacional promulgou uma Lei de Inelegibilidade, mas de forma muito tímida, englobando poucas hipóteses de improbidade cometidas por políticos. As sanções eram vazias.
 
Segundo Ribeiro, após alguns anos do advento da Constituição, a previsão de uma lei complementar para tratar das inelegibilidades foi esmiuçada por uma emenda de revisão de 1994, que passou a trazer no texto a necessidade de estabelecer causas de inelegibilidade que atentassem para a vida pregressa do postulante a um cargo eletivo, visando a proteger a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato:
— Após 14 anos dessa emenda constitucional, surgiu uma mobilização popular através da sociedade civil organizada para a coleta de votos de 1% do eleitorado, com o objetivo de apresentar em 2008 um projeto de lei para dar concretude a esse mandamento da Constituição. Em 2010, por força da iniciativa popular, conquistamos a famosa Lei da Ficha Limpa.
 
De acordo com o procurador, em relação aos projetos de lei de iniciativa popular, das quatro primeiras leis trazidas à sociedade, duas tiveram cunho eleitoral.
— Uma delas data de 1999, que previu a sanção da cassação do mandato de políticos condenados por compra de votos. O que era antes um ilícito eleitoral vazio de sentido, porque não tirava o mandato do político. A outra lei é do ano de 2010, a Lei da Ficha Limpa. 
Ribeiro disse que há cerca de um ano está sendo organizado um grande movimento popular na internet (no site www.reformapolítica.org.br ), nas redes sociais, de coleta de assinaturas para uma ampla reforma política no Brasil que englobe mudanças a respeito do financiamento de campanhas eleitorais.
 
Outro objetivo, segundo o procurador, é garantir por meio de ações afirmativas a participação mais incisiva de minorias sociais, como homoafetivos, afrodescendentes, mulheres:
— Através dessas assinaturas eletrônicas podemos dar nossa contribuição para uma sociedade mais avançada.
 
O Procurador-Chefe do Ministério Público Eleitoral do Estado do Rio de Janeiro assinalou pontos positivos da Lei da Ficha Limpa, entre os quais as novas hipóteses de crimes:
— A Lei da Ficha Limpa trouxe importantes conquistas, como o prazo de oito anos para inelegibilidade. Na lei anterior eram apenas três anos. Também tivemos nesta lei a dispensa de uma decisão com trânsito em julgado para que se pudesse aplicar a inelegibilidade ao político. Num país como o Brasil, há processos quase intermináveis.
 
De acordo com o representante do Ministério Público, o próprio STF aplicava aos casos eleitorais a presunção da inocência do direito penal. Ele disse que isso não é cabível para políticos que estão sendo acusados, processados por ilícitos incompatíveis com a própria função que ele exerce:
— Agora nós temos a necessidade do devido processo legal dentro de um prazo razoável. Basta haver uma condenação por um órgão colegiado. Várias novas hipóteses de crimes comuns foram trazidas com a lei, como corrupção eleitoral e captação ilícita de sufrágio, práticas antigas que agora passam a merecer sanção por oito anos. As pessoas condenadas nos seus conselhos de classe também ficam inelegíveis por oito anos.

Polêmica

 
Sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa nos tribunais, Maurício Ribeiro grifou que a Justiça eleitoral começou a indeferir registros de candidatura com base na lei. Os políticos começaram a recorrer e quando o STF foi chamado a se pronunciar a cerca disso, definiu, após hesitação inicial, que a Lei da Ficha Limpa só valeria um ano após o seu advento. De acordo com o procurador, esse tipo de decisão surgiu em clima de polêmica:
— A nação ficou perplexa diante da proximidade das eleições. Havia candidatos fichas sujas concorrendo. No início de 2012, o STF decidiu pela plena eficácia da lei, inclusive determinando a sua aplicação para as eleições deste ano para casos já julgados antes do advento da lei em 2010. Esta situação está sendo levada com muita intensidade aos tribunais regionais eleitorais nesse momento. O trabalho da imprensa nesse aspecto tem sido muito importante.
 
Em resposta a uma pergunta de Maurício Azêdo sobre a disponibilidade de dados de impugnação de candidaturas nas eleições municipais no Rio de Janeiro, Maurício Ribeiro comentou os procedimentos da justiça eleitoral:
— Com o objetivo de dar transparência e visibilidade, a Procuradoria Regional Eleitoral tomou a iniciativa de catalogar todas as impugnações decididas pelo TRE do Rio de Janeiro. Foram 2.200 impugnações no Rio de Janeiro.
 
Ao comentar as novas hipóteses de inelegibilidades, Ribeiro citou os crimes contra maior ambiente, abuso de autoridade, crimes contra a vida, racismo, tortura, terrorismo, captação ilícita de sufrágio, captação ou gastos ilícitos de campanha, entre outros.
 
Em relação ao financiamento privado de campanha, o procurador defendeu a proibição desta prática:
— Proibir este tipo de doação seria bom, já que sabemos da conduta do caixa 2, como exemplo o escândalo do mensalão, a banalização do caixa 2, além da situação da corrupção. Se caminhássemos para uma situação de proibição de verba privada seria muito mais transparente.
 
Atraso
 
O tema “Financiamento de campanha” continuou a ser debatido na segunda rodada de debates, com participação do Deputado Paulo Ramos (PDT-RJ); do economista Paulo Passarinho; dos jornalistas Mário Augusto Jacobskind, Presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI; e Ernesto Müzell Vianna, Presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado do Rio de Janeiro.
 
Paulo Ramos falou sobre a situação do Brasil em relação às regras de financiamento público e privado:
— No campo eleitoral integro aquele grupo que dificilmente encontra alguém disposto a financiar a campanha. Dificilmente vamos arraigar as simpatias daqueles que têm dinheiro e dos que pretendem influir e se beneficiar com o resultado da eleição. Na democracia os partidos políticos são os instrumentos que definem a ocupação do poder. Os eleitos se legitimam através do voto, dos meios para a obtenção do voto e na forma de legislar.
 
Paulo Ramos citou uma matéria publicada recentemente no jornal O Globo, segundo o parlamentar, a qual informa que o custo das campanhas eleitorais já ultrapassou R$ 3 bilhões. Na opinião do deputado, este fato demonstra à população que a eleição é muito cara e comprometida:
— Os financiadores são aqueles que querem interferir nos gastos públicos em benefício pessoal. São as empreiteiras, os bancos, os fundos de pensão, as prestadoras de serviço, os planos de saúde. O financiamento é privado, mas o dinheiro é publico. Ele mascara o desvio de recursos públicos. O Brasil é um país economicamente pujante, mas socialmente atrasado.
 
O deputado comentou que o Brasil é um dos raros países que têm Justiça eleitoral, ao contrário do que ocorre nos países desenvolvidos:
— É preciso entender o significado do financiamento público, que possibilitará um controle maior e oferecer o mínimo de igualdade de condições, já que nós temos campanhas ostensivas, massacrantes. 

Pessimismo

Dando prosseguimento ao debate, Ernesto Müzell Vianna passou a palavra para Paulo Passarinho, que se mostrou pessimista em relação ao atual cenário político:
— O esquema de financiamento de campanha se dá fundamentalmente através de mecanismos privados e esse padrão, talvez, seja o principal fator de corrupção dentro da máquina do Estado. Ele cria um vínculo entre o financiador e o beneficiado. As nossas eleições situam-se entre as mais caras do mundo.
 
O economista ressaltou que, do ponto de vista dos financiadores, existiria uma concentração de poucos agentes em relação aos recursos transferidos para os partidos políticos ou para candidatos.
 
Ele explicou que mais de 90% dos recursos recolhidos pelos candidatos têm origem em setores muito específicos: bancos, construtoras, empresas nas áreas de mineração, siderurgia, papel celulose, agricultura, planos de saúde:
— Curiosamente são setores que para os seus negócios a relação conquistada é fundamental. Nesse sentido os mandatos vitoriosos por este tipo de financiamento acabam se vinculando a esses financiadores.
 
Vianna destacou, também, que o direito de votar e de ser votado se revela dependente do poder econômico:
— Este tipo de deformação nos leva a pensar em como mudar o nosso processo eleitoral. Sou pessimista neste sentido. O financiamento de campanha está vinculado às mudanças na reforma política, tributária, etc. Elas apenas seriam viáveis no âmbito de uma reforma global decorrente de um processo de ruptura com o status quo, que hoje não interessa aos dominantes. Não existem mecanismos por parte da cidadania para que enfrentemos o problema. A ideia de se alterar o padrão atual de financiamento deve ser vinculada ao capítulo mais amplo da reforma política.

Na sequência, Mário Augusto Jacobskind também chamou a atenção para o jogo eleitoral no qual o poder econômico elege os seus candidatos. Segundo o Conselheiro da ABI, está havendo uma despolitização da política que implica nos financiamentos de campanhas. O capital financeiro dita as regras do jogo e prioriza aqueles que vão defender os seus interesses:

— Vivemos em um País de pouca memória no qual os financiadores de ontem são os mesmos de hoje. Para mudar isso precisamos democratizar os meios de comunicação e mobilizar os setores sociais em pé de igualdade. Sem isso ficaremos eternamente criticando este modelo que nos foi imposto pelas elites.

Mídia

 
Após o intervalo para almoço, teve início a terceira plenária com o tema “O papel da mídia e da pesquisa”, cujos debatedores foram César Romero Jacob, cientista político e professor da PUC-RJ; e Bruno Cruz, Diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro. A mediação foi feita pelo jornalista Vitor Iório, professor da UFRJ e membro da Comissão de Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI.
 
O tema do debate da penúltima mesa foi “Voto nulo e descrédito do eleitor”, que reuniu Modesto da Silveira, jornalista, advogado e membro da Comissão de Ética Pública da Presidência da República; Gisálio Cerqueira, cientista político UFF; André Fernandes, Diretor da Agência de Notícias das Favelas; e o mediador Alcyr Cavalcanti, Repórter-Fotográfico, Conselheiro da ABI e integrante da Comissão de Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da Casa.
 
A última mesa do encontro abordou o tema “A reforma eleitoral e o voto eletrônico”, com a participação do jornalista Osvaldo Maneschy; Jesus Chediak, cineasta e Diretor de Cultura e Lazer da ABI. A mediação foi de Daniel Mazola, 2º Secretário da Comissão de Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI.