ABI debate as relações entre samba e futebol


03/06/2009


                                         Bernardo Costa

               Walter Alfaiate, Eraldo Leite e Celso Branco

As relações entre o futebol e o samba foi tema do debate promovido pela ABI, em sua sede, no Centro do Rio, na noite desta terça-feira, dia 2 de junho, como parte do ciclo de palestras “Futebol-arte: A arte do futebol”, que, ao longo do ano de 2009, pretende discutir as interações do esporte com os diversos segmentos artístico-culturais.

O evento teve como palestrantes o professor Celso Branco, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); o radialista e Presidente da Associação dos Cronistas Esportivos do Rio de Janeiro (Acerj), Eraldo Leite, que também é membro do Sistema Globo de Rádio; e o sambista Walter Alfaiate.

O programa é uma promoção do Grupo de Literatura e Memória do Futebol (MemoFut) em parceria com a ABI, com apoio do canal SporTV, do Laboratório de História do Esporte e do Lazer da UFRJ (Sport) e das editoras livrosdefutebol.com e Apicuri.

Pouco antes de começar o debate, empunhando pandeiro e cavaquinho, Rodrigo Carvalho e Pablo Amaral, integrantes do grupo Galocantô, adentraram a Sala Belisário de Souza, local do debate, evocando “Nega manhosa”. O samba de Herivelto Martins já dava o tom do encontro: “Economiza olha o dia de amanhã / Eu preciso do troco / Domingo tem jogo no Maracanã / Do bate-bola eu sou um fã”. 

Parceria

Em seguida, Walter Alfaiate assumiu o microfone e relembrou um de seus sambas “Meu Brasil, campeão do mundo”, em parceria com Mauro Duarte, composto em 1958, ano em que o Brasil conquistou sua primeira Copa do Mundo de futebol. A letra — “homenagem a um tempo de craques na arte do futebol”, como sublinhou Alfaiate — rimava os nomes de artistas da bola que integraram a Seleção Brasileira da época, como Didi, Vavá, Pelé, Djalma Santos, Belini e Nilton Santos. 


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 Pablo Amaral e Walter Alfaiate

Da platéia, o cineasta José Carlos Asberg, que dirigiu o filme “1958, o ano em que o mundo descobriu o Brasil”, perguntou ao sambista por que só compôs aquela música sobre futebol, ao que Walter Alfaiate respondeu:
— Em 1958, os jogadores me ajudaram a fazer o samba, pois seus nomes eram fáceis de rimar. Hoje em dia, não sei com quem fazer a rima.

Eraldo Leite concordou com Alfaiate e completou:
— Não dá para rimar Petkovic com nada mesmo — disparou o radialista, provocando gargalhadas do público.

Com um broche do Botafogo preso na lapela, Walter Alfaiate contou que conheceu seu maior amigo e parceiro musical, Mauro Duarte, em um estádio de futebol:
— Foi na torcida do Botafogo, quando levamos uma cipoada de 4×1 do Fluminense, no estádio das Laranjeiras. Quando saímos do jogo, viemos caminhando em direção a Botafogo (bairro da zona Sul), onde nós dois morávamos, comentando os lances da partida e nos tornamos amigos. E assim, surgiram as parcerias musicais.

Walter Alfaiate também recordou outro sambista, com quem participou de inúmeras rodas de samba em Madureira:
— Lembro que o Roberto Ribeiro veio para o Rio de Janeiro para ser goleiro do Fluminense, mas não teve sucesso. Como sua família já fazia coro no Império Serrano, e ele tinha uma grande voz, seguiu o caminho do samba com grande êxito. 

Fonte

No início de sua exposição, o acadêmico Celso Branco, investigador da história da música, citou este tipo de arte como uma fonte confiável para a compreensão das sociedades e suas relações com futebol:
— Ela revela características de uma época, que muitos documentos não conseguem trazer à tona, nem mesmo os discursos jornalísticos. Através da sua linguagem, a música traz a percepção do povo, seu pensamento sobre o futebol da época em que determinada canção foi criada.

Como exemplo, o professor citou “Touradas de Madri”, marchinha composta por João de Barro que foi o grande sucesso nas arquibancadas do Maracanã, durante a Copa do Mundo de 50:
— A música começou a ser cantada pelos torcedores quando a Seleção Brasileira goleou a Espanha por 6×1. Daí em diante, a música foi cantada em diversos jogos. Esse episódio mostra o quanto a música traduz o sentimento da população. 

Pesquisa

Celso Branco, a partir de suas pesquisas na área, contou que o primeiro samba sobre futebol de que teve notícia data de 1915. O professor também traçou um panorama sobre as letras das músicas relacionando-as com a época em que surgiram. Aquelas cantadas nos estádios até 1930, segundo Celso, traziam muitos termos relacionados à guerra, como “tiro de canto” e “linha de frente”. Já nas décadas de 30 e 40, as canções começam a enfocar a paixão do torcedor pelo time.

De acordo com Celso, a exaltação aos grandes craques nas letras das músicas começa a aparecer na década de 50. Nos anos 60 e 70, as canções tiveram conotação ufanista, visando a encobrir as arbitrariedades cometidas contra a sociedade durante a ditadura militar:
— Com o clima do regime ditatorial, as músicas tentavam reforçar a idéia de que o Brasil era um paraíso. A orientação era esquecer os problemas políticos e econômicos e falar de futebol. Tanto que o Médici era figurinha fácil no Maracanã.

Eraldo Leite lembrou da intervenção do então Presidente Médici na Seleção Brasileira, que ia disputar a Copa do Mundo de 70, no México:
— Ele queria que o Dario fosse convocado, mas o João Saldanha, que era o técnico, retrucou com firmeza: “Eu não mando nos seus Ministérios, então você não vai mandar no meu time”. Depois disso, Saldanha foi destituído do cargo e Zagalo o substituiu.

Segundo Celso Branco, nos anos 80 e 90 as músicas começaram a trazer letras individualistas, refletindo o sentimento da sociedade, que não mais se mobilizava por uma causa coletiva:
— Como resposta a essa tendência, alguns compositores buscavam no futebol um tema que servia como válvula de escape para esse individualismo. Falando em nome de um time, as músicas traduziam não mais o sentimento de apenas um indivíduo. É o caso de “Uma partida de futebol”, do grupo Skank. 

Hinos

Lamartine Babo foi um compositor lembrado e festejado pelos participantes do encontro. Suas composições para os hinos dos times cariocas ficaram eternizadas, em detrimento das canções oficiais que já haviam sido criadas antes de sua intervenção.
— Talvez se Lamartine não fosse um excelente compositor, seus hinos não tivessem ficado na memória dos torcedores, contribuindo para a popularização do futebol. Eles trazem uma riqueza melódica e harmônica sem igual, explicou Celso Branco. 

Sobre este contexto, Walter Alfaiate lembrou que o hino mais bonito foi o que Lamartine fez para o América, seu time de coração:
— É aí que entra o lance da paixão pelo futebol influenciando o compositor — acrescentou Alfaiate.

A paixão percebida nas letras dos gritos de torcida dos times que foram recentemente rebaixados para a segunda divisão, como Corinthians e Vasco, foi lembrada por Eraldo Leite como algo positivo:
— As letras das canções dessas torcidas têm trazido um sentimento de paixão semelhante ao do sambista quando canta a mulher amada. 

Violência

Eraldo Leite também citou o aumento da violência nos estádios verificada ultimamente. Situação que, muitas das vezes, segundo o jornalista, é incentivada pelos cantos das próprias torcidas. Celso Branco, por sua vez, contou que a violência surgiu na década de 70, quando foram formadas as torcidas organizadas.

Antes disso, como lembrou Walter Alfaiate, os torcedores adversários sentavam um do lado do outro nos estádios:
— A gente torcia em paz. Não tinha rivalidade fora dos gramados. Hoje, eu não vou mais aos jogos, pois já estou velho para levar cascudo. Nunca dei, nem nunca levei, e não vai ser agora depois de idoso que vou levar.

Para o sambista, os integrantes das torcidas organizadas deveriam se comportar como os compositores das escolas de samba:
— Na Apoteose, nos fins dos desfiles, você encontra compositores de diferentes escolas conversando, bebendo alguma coisa juntos. Você pode namorar uma cabrocha de outra escola sem problemas. Agora mesmo, eu fui à posse do Ivo Meireles como Presidente da Mangueira. Todos sabem que eu sou portelense, mas me receberam da melhor maneira possível. No futebol, tinha que ser assim também.