O jornalista Pinheiro Júnior, Conselheiro da ABI, lançou na quarta-feira, dia 13, o livro “A Última Hora, como ela era”(Mauad-X), na Associação Brasileira de Imprensa. Na ocasião, foi realizado o debate Última Hora – 60 anos, Os Sobreviventes, no Auditório Oscar Guanabarino, no 9º andar do edifício-sede da entidade. A mesa de honra foi coordenada pelo Presidente da ABI, Maurício Azêdo, e contou com a participação de jornalistas que atuaram na Última Hora, entre os quais Antonio Theodoro de Magalhães Barros, e os Conselheiros da ABI Milton Coelho da Graça, Pinheiro Júnior, Domingos Meirelles, Pery Cotta, Alcyr Cavalcanti e Benício Medeiros.
Maurício Azêdo abriu o encontro ressaltando a importância do jornal Última Hora para a História da Imprensa no Brasil.
—O jornal Última Hora, criado em 12 de junho de 1951 pelo jornalista Samuel Wainer ocupa ainda hoje um papel destacado pelo caráter inovador e progressista de Samuel Wainer e de seus companheiros de jornal. A partir do lançamento da Última Hora, a imprensa criada no Rio de Janeiro e no Brasil deixou de ser a mesma: antiquada, viciada e com teor reacionário muito forte. Este seminário constitui uma homenagem ao Samuel Wainer e àqueles que, sob a liderança dele, construíram este veículo marcante na história da imprensa.
A platéia, que reuniu colegas de trabalho, amigos e familiares de Samuel Wainer, associados da ABI, professores e alunos da rede pública de ensino do Estado do Rio de Janeiro, além dos interessados em geral, foi saudada pelo Presidente da ABI:
—Queremos agradecer a presença de todos e registrar a presença de uma delegação de representantes do Ciep Samuel Wainer, o Centro Integrado de Educação Pública Samuel Wainer, localizado na Avenida Almirante Cochrane, na Tijuca, e que foi uma das principais iniciativas no campo da educação adotada sob a liderança do nosso inesquecível companheiro e mestre Darcy Ribeiro. Temos aqui a honrar a ABI a presença da Diretora do Ciep Samuel Wainer, Ângela David, e da Professora Maria Elizabeth, que leciona Língua Portuguesa nessa unidade escolar.
Ângela David cumprimentou os presentes e falou sobre a função do jornal na educação:
—Estamos aqui atendendo ao convite do jornalista Pinheiro Júnior, autor do livro. Trouxemos alguns alunos do quinto ano que fazem parte do grêmio estudantil. O jornal faz parte do nosso projeto pedagógico que se chama “Aluno leitor”. Como o patrono da nossa escola é o jornalista Samuel Wainer, achamos importante para os alunos conhecerem a história e como é produzido e editado um jornal antigo, em relação aos atuais. Utilizamos o jornal em sala de aula para trabalhar a escrita e a redação dos alunos.
Maurício aplaudiu também a presença do Professor Hélio Alonso, membro do Conselho Deliberativo da ABI:
—O Professor Hélio Alonso tem um papel destacado no ensino de Comunicação do Rio de Janeiro e do Brasil, como criador do primeiro curso de Comunicação não vinculado a uma universidade pública, o Curso Hélio Alonso, com atuação nas áreas de Comunicação e de Turismo.
Em seguida, foi exibido um vídeo de oito minutos produzido por Alcyr Cavalcanti com imagens de capas e fotografias que marcaram a história da Última Hora.
Ao término, os debatedores formaram a mesa e Maurício passou a palavra para o jornalista Pinheiro Júnior.
—Estou vendo aqui figuras que praticamente me deixam em lágrimas, como o meu velho amigo Baleixe Filho, companheiro de lutas na Última Hora naqueles tempos negros de perseguição. Estou vendo Domingos Meirelles, de quem tive a honra de ser o primeiro chefe de Reportagem. Estou vendo Olegário Wanguestel Júnior, com quem eu tive a oportunidade de trabalhar durante um dos meus exílios voluntários no jornal O Fluminense, de Niterói. E tantos outros, cuja fisionomia me trai um pouco, porque ficaram mais jovens, como se tivessem descoberto o segredo da eterna juventude. Este seminário celebra os 60 anos da Última Hora. O lançamento do meu livro é apenas um detalhe, uma parte do encontro que pretende congregar o maior número possível de sobreviventes da velha Última Hora. Quando estava autografando os livros, fui surpreendido com a presença de Felipe, Gabriel e a Noêmia Wainer, descendentes de Samuel Wainer. Última Hora era um jornal extraordinário, extremamente polêmico, à frente dos outros. Naquela época ele já praticava o que agora está sendo apresentado como o Novo Jornalismo: a reportagem narrativa. A estética de reportagem que a Última Hora publicava e que fez história é um exemplo típico deste jornalismo narrativo, que eu tive a oportunidade de praticar também.
Para ilustrar o assunto, Pinheiro Júnior citou reportagens que, em sua opinião, marcaram a trajetória do diário:
—Moacir Werneck de Castro, o grande editorialista da Última Hora, dizia que o nosso jornal não transmitia apenas notícia, pois lutava pelas grandes causas do País. Um exemplo disto foi a matéria sobre o Sanatório Pedro II, feita pelo grande repórter José Montenegro, que mostrou como os pacientes mentais daquela unidade eram tratados e punidos como se fossem criminosos hediondos em tempos medievais. Para tanto, José Montenegro se internou no Pedro II. Quando ele tentou sair do hospício, cansado de ver tanta tortura e falta de alimentação, recorreu ao segurança do local: “Eu sou repórter da Última Hora. E o guarda respondeu: “Olha, se aqui dentro tem Napoleão e Jesus Cristo, por que não teria um repórter da Última Hora?”(risos) Foi preciso que outro repórter do jornal fosse ao local para soltar o José Montenegro. Todos pensaram ele era maluco também.(risos)
Segundo Pinheiro Júnior, as matérias sobre o descaso das autoridades com a população de rua também levantaram polêmica:
—O grande repórter de polícia Amado Ribeiro descobriu que o Governo estadual estava jogando os mendigos no Rio da Guarda para limpar a cidade, e isso não se fazia nem com lixo, por causa das restrições. Os mendigos morriam afogados e a corrente levava os corpos para o mar. A matéria “Psicanálise: remédio ou risco”, do repórter Luiz Edgard de Andrade, deu a Última Hora o disputado Prêmio Esso de Reportagem. O jornal denunciou que terras brasileiras estavam sendo vendidas para empresas estrangeiras. Alguns Municípios no Paraná, por exemplo, estavam sendo vendidos com praças e ruas e até a sede do Governo municipal. As matérias eram publicadas em série e prendiam a atenção do leitor, que buscava nas bancas a continuação dos assuntos. Agradeço a oportunidade de estar aqui falando sobre os bastidores da Última Hora.
Em seguida, Maurício Azêdo passou a palavra para o jornalista Antônio Theodoro Magalhães de Barros:
—Na condição de um dos poucos sobreviventes, tive a alegria de reencontrar aqui alguns dos colegas da época da Última Hora, que realmente foi um jornal que revolucionou a imprensa carioca. Antes da Última Hora trabalhei no Diário Carioca e depois no Correio da Manhã. Mas foi na Última Hora, em várias funções, a última delas como editor internacional, que me realizei como jornalista, não só fazendo reportagens, mas principalmente editando a parte do noticiário internacional. Pena que hoje nós sejamos tão poucos e que a Última Hora esteja tão longe, 60 anos. Mas o exemplo que a Última Hora deu como linha de conduta e cobertura jornalística vai continuar a fazer seguidores. Fui professor da Universidade Federal Fluminense e tenho a esperança de que alunos e ex-alunos que hoje militam na imprensa voltem a buscar as lições da Última Hora para que o nosso jornalismo melhore ainda mais.
Dando prosseguimento ao encontro, o jornalista Milton Coelho da Graça falou sobre a sua atuação no diário:
—Vou contar para vocês como acabei chefe da Última Hora de Pernambuco. Ela retrata quem foi Samuel Wainer para mim. Eu era copidesque na seção de Polícia, chefiada por Pinheiro Júnior, que todo dia me ensinava alguma coisa. Um dia, uma garota de programa se atirou do Othon Palace Hotel, em São Paulo, e eu estava pegando a matéria. Já no finzinho, veio a ordem de que o Samuel queria fazer a matéria. Ele tinha tido um caso com ela e fazia questão de escrever. O texto dele era primoroso, contava que a mulher tinha morrido sem dizer que era suicídio. O chefe de Reportagem perguntou se eu tinha gostado do texto do Samuel. Eu respondi que sim, mas que o meu título era melhor que o dele. O chefe de reportagem, então, resolveu contar tudo para o Samuel: “Ô Samuel, esse cara é novo aqui, só tem um mês no jornal e disse que o título dele é melhor do que o seu.”Samuel olhou o título e respondeu: “E é melhor mesmo. Bota o título dele! Recebi um bônus de 15 dias de salário pelo título e no primeiro cargo de chefia que apareceu no jornal, Samuel me deu a chefia de reportagem. Esse era o Samuel, um cara que queria escolher quem era bom.
Milton Coelho da Graça sublinhou também a força política do jornal em diversos estados.
—A Última Hora foi decisiva para vitória do Miguel Arraes em Pernambuco, mas nesta época eu já havia saído do jornal. Assim que o golpe militar foi instaurado no Recife, eles destruíram a Última Hora e passaram a me caçar pela cidade, apesar de eu não estar mais ocupando a chefia de Redação. No final de 1964, só havia quatro presos em Pernambuco: Miguel Arraes, Gregório Bezerra, Francisco Julião e Milton Coelho da Graça. Só deixei a prisão com um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal. Eu era importante? Não, eu era apenas o jornalista da Última Hora, que chefiara a Redação na vitória eleitoral em 1961. Conto isto para que vocês tenham uma idéia do ódio dos militares direitistas e dos setores mais retrógrados da nação pelo jornal Última Hora. Isso mostra quem foi Samuel Wainer e o que foi a Última Hora.
Pery Cotta, Presidente do Conselho Deliberativo da ABI, falou, em seguida, sobre a sua experiência na Última Hora em meados dos anos 1970:
—Não trabalhei no jornal naqueles tempos memoráveis sobre os quais os companheiros estão comentando. Foi em 1975 e 1976, quando a Última Hora já estava sendo dirigida por Ary de Carvalho, numa caminhada para ser fechada, encerrada. Eu trabalhava no Globo na década de 60 e tinha um contato quase diário com o Roberto Marinho, que estava sempre na Redação. Percebi nestes contatos a admiração que ele tinha pela criatividade da Última Hora, pelo estilo de jornalismo que o Pinheiro Júnior ressaltou. Roberto Marinho levou para o Globo todos os comentaristas da Última Hora, o jornal que mais o fascinava pela capacidade de diálogo com seu público, por falar uma linguagem ao mesmo tempo simples e profunda em termos de noticiário, de informação, pelo texto maravilhoso dos jornalistas e pelo talento dos profissionais de outras áreas do jornal.
Domingos Meirelles, Diretor Econômico-Financeiro da ABI, também relatou a sua trajetória no jornal:
—Não participei da Última Hora no período em que o Milton Coelho da Graça e Antonio Theodoro atuaram. Na minha memória afetiva, a Última Hora ocupa um lugar de eterna devoção pôrque aquela Redação mudou a minha vida. Naquela Redação aprendi que para exercer esse ofício era preciso ter um lado, o lado de todos aqueles que tinham sido vítimas de algum tipo de violência de governos militares, o lado dos desafortunados. Entrei na Última Hora em 1965, movido pelo sentimento de indignação diante das violências praticadas pelos governos militares. Cerca de 70% do corpo da Redação tinha formação em Direito, mas não exercia a profissão de advogado, daí esse arraigado sentimento em defesa do restabelecimento do Estado de Direito, do retorno das garantias individuais, do direito de expressão de pensamento. Trabalhei no jornal durante um ano e 7 meses. A Redação era muito homogênea e aguerrida.
Meirelles enumerou grandes nomes que integraram a Redação durante o período em que atuou no veículo:
—Tive o privilégio de trabalhar com Aguinaldo Silva, Nélson Rodrigues. O Nélson Rodrigues era um fumante inveterado. Quando ele se afastava da máquina de escrever para fumar e tomar café, o pessoal da seção de Polícia ia lá e escrevia alguma coisa no texto da crônica que ia sair no dia seguinte. Sempre reclamando de tudo, Nélson voltava e continuava escrevendo sem perceber que alguém tinha acrescentado algumas palavras ou até mudado o sentido do ele estava expondo. Ele não tinha um bom relacionamento com a Redação devido à sua posição extremamente conservadora, de apoio ao governo militar. A Redação reuniu ainda João Saldanha, Octávio Malta, um grande intelectual, Moacir Werneck de Castro, Jorge de Miranda Jordão, que era o diretor de Redação, João Ribeiro, editor da primeira página, que só conseguia fazer a manchete comendo papel. Ele pegava a lauda, a mastigava, mastigava, mastigava até encontrar naquele suco de celulose a inspiração para a manchete.(risos). Pinheiro Júnior foi o meu primeiro chefe de Reportagem. Otávio Ribeiro era um repórter de Polícia que não tinha muita intimidade com a gramática, mas era um cão farejador, um caçador de boas histórias. Anderson Campos, Jânio de Freitas, Nilson Lage também foram grandes nomes. Maurício Azêdo foi o meu tutor, aquele mestre que se preocupava com o texto. Eu sempre levava o meu texto para o Azêdo olhar, ele era o secretário do segundo caderno do jornal.
Domingos fez ainda uma homenagem especial aos fotógrafos que ajudaram a construir a história do jornal:
—Gostaria de citar os nomes de Luís Pinto, Antônio Nery, Joel Maia, Sebastião Marinho. Joel Maia, por exemplo, era um fotógrafo que ninguém queria sair, ele dava azar. Certa vez ele estava sentado no departamento fotográfico embaixo de um lustre que ameaçava cair, mas nunca caiu. No dia em que o Joel Maia sentou ali, o lustre despencou. Joel levou seis pontos e ficou afastado do jornal. Quando retornou, Pinheiro Júnior o aconselhou a se benzer nos Barbadinhos, tradição de uma igreja da Tijuca. Joel Maia foi ao local com o Carlos Aleixo para fazer uma matéria. O Carlos o colocou à força na fila para receber a benção. Quando o padre começou a benzer, a&bbsp;esfera que fica na ponta do aspersor de água benta se soltou e atingiu o rosto do Joel, que chegou na Redação com um galo. (risos) Em outra ocasião, ele foi assaltado no dia do pagamento, por três homens na Praça da Bandeira. A turma fez uma vaquinha para cobrir o salário dele. Quatro dias depois ele chegou na Redação muito pálido dizendo que os três homens que o assaltaram tinham sido encontrados mortos num terreno descampado na Baixada Fluminense.(risos)
Ao final do depoimento, Domingos detalhou as circunstâncias que determinaram a sua contratação na Última Hora:
—Fui efetivado com um mês e 15 dias de Redação, numa época em que se era contratado somente após seis meses de estágio. No dia 31 de março de 1965, recebi a tarefa de telefonar para uma lista de generais que haviam tido participação expressiva no golpe de 1964, entre eles o General Mourão Filho, que começou a soltar os cachorros em cima do governo militar, revelando um fato até então desconhecido, que foi o acordo que o antigo PSD tinha feito com os militares de não cassar o Juscelino, o que foi rompido pelos militares. Quando eu entreguei o texto para o chefe de Reportagem, Iram Frejat, ele disse que eu tinha sido vítima de um trote, que eu tinha ligado errado. Várias pessoas telefonaram para o Mourão Filho, que confirmou a entrevista. Aí o Miranda disse o seguinte para mim: “Garoto, a partir de amanhã você está contratado! Não lembro se foi o Pinheiro Júnior ou se foi o Iram Frejat que esteve na casa do Mourão Filho para que ele rubricasse as laudas da entrevista quilométrica. Só sei que na volta, Iram veio em minha direção com aquele monte de laudas rubricadas e disse: “Garoto, a partir de amanhã você tem aumento de 10%!”(risos). A Última Hora mudou a minha vida e me forneceu os parâmetros que até hoje norteiam a minha vida profissional.
Autor do livro “A rotativa parou — os últimos dias da Última Hora de Samuel Wainer” (Ed. Civilização Brasileira, 2009), o jornalista Benicio Medeiros, ex-Diretor da Diretoria de Jornalismo da ABI, descreveu o papel do diário na História da imprensa nacional:
—Pinheiro Júnior trabalhou 17 anos na
Última Hora, quase a existência total do jornal, que durou 20 anos. Eu só trabalhei lá durante um ano e meio, entre 1970 e 1971. Mas mesmo assim foi um período cheio de emoções. Eu ouvi algumas pessoas mais empolgadas dizerem que a
Última Hora revolucionou a imprensa brasileira. Outros, menos empolgados, disseram que a
Última Hora não revolucionou coisa nenhuma, que Samuel Wainer era um jornalista da antiga, e que a
Última Hora já nasceu velha em 1951. Essa última opinião especificamente é a opinião do Jânio de Freitas, tanto que ele não queria assinar a orelha do meu livro e só assinou por que eu insisti muito e porque ele é meu amigo. Conheci a
Última Hora na sua fase hormonal e tinha impressões juvenis, pouco amadurecidas e também um pouco românticas. Depois que eu ouvi ex-colaboradores da
Última Hora, o que eu achei disponível sobre o assunto, acabei chegando a duas conclusões principais: a
Última Hora tinha, de fato um carisma que sobrevive até hoje, e está inscrita até hoje, talvez, como nenhum outro jornal morto na memória afetiva dos leitores e dos ex-colaboradores. Concluí também que a
Última Hora não tinha realmente nada de revolucionário. Embora não seja daqueles que vão criticar a sua importância. Samuel Wainer e seu jornal introduziram questões e avanços que aperfeiçoaram em muitos aspectos a imprensa brasileira.
O viés inovador do veículo foi assinalado por Benício:
—A inovação principal foi a técnica da diagramação, que até então não existia na imprensa brasileira. Samuel importou um grupo de craques argentinos, entre eles o artista gráfico Andrés Guevara, para ensinar os brasileiros a desenhar o jornal. Antes da Última Hora, os textos eram arrumados nas páginas conforme o gosto do secretário de Redação. Curiosamente, o homem que trouxe a diagramação ao Brasil nunca se adaptou a ela. Para desespero dos editores, os textos de Samuel sempre estouravam, eram textos fluviais, entornavam página afora. Samuel também tinha uma grande dificuldade em compor um título ou manchete no tamanho exigido pelo diagramador. De todo modo, a técnica da diagramação tornou os jornais brasileiros, começar pela Última Hora, muito mais bonitos e atraentes. Samuel queria fazer um jornal popular, mas não um jornal popular de escândalos. Ele queria um jornal que levasse a informação correta àquele segmento da população que chamamos de hoje de povão. Um jornal que informasse e esclarecesse. O Diário Carioca, o Jornal do Brasil e mesmo o Correio da Manhã, contemporâneos à Última Hora, eram jornais de elite feitos para servir ao público da Zona Sul do Rio de Janeiro. Samuel queria atingir num primeiro momento a Zona Norte e os subúrbios cariocas, como de fato atingiu. O povo da Zona Sul esnobava um pouco o jornal do Samuel. Mas a verdade é que a Última Hora não tinha vergonha de ser um tanto quanto brega. Porque o Samuel sabia que o povão era brega mesmo, e era preciso fazer um jornal que correspondesse a suas referências estéticas. Daí a importância que Samuel dava à reportagem policial e aos títulos e manchetes criativas ricas para surpreender o leitor, aguçar a sua curiosidade e conduzi-lo para dentro do jornal.
Benício lembrou ainda algumas manchetes da Última Hora que ficaram famosas:
—“Morreu gritando gol!” A manchete que por si só conta toda história. Um torcedor na arquibancada comemorando o gol de seu time, que de tanta emoção teve um ataque cardíaco dentro do estádio e morreu feliz com um sorriso nos lábios. Essa manchete é de autoria de um dos mais famosos manchetistas da Última Hora com quem tive a honra de conviver durante um ano. Todo mundo aqui o conheceu: se chamava João Ribeiro, um maranhense alto, boa praça, usava óculos com lentes de fundo de garrafa. Lembro do dia em que João Ribeiro entrou na Redação agitado. Vivia-se o drama da nave Apolo 13, que devia pousar na Lua, mas ficou pelo caminho perdida no espaço por causa de uma pane. Ninguém sabia se os astronautas iam conseguir ou não voltar para a Terra. Foram 8 dias de suspense que o mundo inteiro acompanhou pela televisão. Um dia, o João Ribeiro entrou na Redação empolgado e disse: “Tenho a manchete!”, que era a seguinte:”Vem queimando a nave louca!”Os editores devem ter achado aquela manchete criativa demais e a recusaram, mas João Ribeiro não ligava continuava tentando deixar sua marca pessoal na primeira página do jornal, e na maioria das vezes conseguia. Essas duas amostras de manchete do João Ribeiro são indicativas do estilo da Última Hora. Manchetes populares, mas sem apelação e sem duplo sentido, que expressavam corretamente o que se queria noticiar. Haja vista que nessa época, alguns jornais sensacionalistas apelavam bastante em seus títulos na primeira página. Ficou famosa a manchete: “Cachorro fez mal à moça”, sobre uma jovem que se intoxicou depois de comer cachorro-quente numa lanchonete do Rio. Outra que ficou famosa foi: “Violada na platéia”, a propósito do tresloucado compositor Sérgio Ricardo, que quebrou seu violão e o arremessou contra o público que o vaiava no Festival da Canção da TV Record de 1967. Mas nenhuma dessas manchetes é da Última Hora, que detestava as apelações e as cascatas que, no jargão da imprensa são notícias fictícias, ou mais ou menos fictícias, inventadas pelo repórter para atrair leitores. O fato é que Samuel Wainer tinha afinidade com o povo, vinha de uma família de imigrantes pobres que mal sabiam falar português.
Outra contribuição importante da Última Hora, na opinião de Benício, foi a questão salarial.
—Samuel, pelo fato de ser repórter e por saber onde o calo da Redação apertava, começou a pagar salários realmente dignos a seus empregados. Isso é reconhecido até hoje, Depois, Samuel começou a ser golpeado por todos os lados, golpes duros, com o objetivo de acabar com ele e com o jornal. Carlos Lacerda, que na época era dono da Tribuna da Imprensa, questionava o Governo Vargas, sobre os empréstimos concedidos à Última Hora, vendo um favorecimento ilícito e corrupção em tudo e conseguiu montar uma CPI na Câmara para apurar as supostas irregularidades. Assis Chateaubriand, barão da imprensa daquela época, acusava o Samuel de às custas do dinheiro público inflacionar o mercado jornalístico, oferecendo salários irreais e mirabolantes aos seus contratados. Salvo o exagero contido na ótica naturalmente patronal e usurária de Chateaubriand, Samuel honrou todos os compromissos que assumiu com o Banco do Brasil e com a Caixa Econômica. Isso foi muito importante para profissionalização dos jornalistas, pondo fim ao que antes era um bico, a remunereação com a qual se podia pagar o aluguel e o colégio dos filhos. Os bons salários da Última Hora atraíram muita gente boa para o jornal como João Cabral de Melo Neto, Sérgio Porto,Otto Lara Rezende, Nelson Rodrigues, Moacir Werneck de Castro, Octávio Malta, Paulo Francis. Samuel era uma pessoa generosa, gostava de ajudar pessoas que caíam em desgraça na vida pública. Era um empresário sui generis, excêntrico, no sentido, que às vezes tomava decisões que iam até de encontro ao seu próprio negócio.
Organizador do seminário, o jornalista e fotógrafo Alcyr Cavalcanti também grifou o talento dos fotógrafos da Última Hora.
—Gostaria de citar os fotógrafos presentes, como Joaquim Morel, Avanir Niko, Ignácio Ferreira, um dos pioneiros e um dos maiores, Antônio Nery, Hélio de Moraes. Em duas décadas de Última Hora, mais de 3 mil primeiras páginas importantes foram feitas por um gênio da fotografia que eu lamento não ter conhecido, um modelo de fotógrafo, de pessoa, de caráter, que era Roberto Maia.
Antes de franquear a palavra à platéia, Maurício Azêdo prestou homenagem ao jornalista Baleixe Filho:
Nós queremos registrar, não fizemos antes, a presença do nosso companheiro Baleixe Filho, que para honra nossa, alegria nossa, fez recentemente 90 anos. Baleixe está aqui na primeira fila, exibindo a vitalidade e alegria de viver que foram a marca de sua passagem pela vida profissional.
Baleixe Filho saudou a todos e destacou a importância do evento:
—Gostaria de agradecer ao Maurício Azêdo pela oportunidade que me deu agora e dizer que eu estou feliz em participar desta conversa. Sinto-me como se estivesse vivendo outro período do jornal. Agradeço muito mais ao Azêdo pela sua Presidência da ABI, o impulso dedicado a esta entidade que eu conheço há tantos anos e que agora realmente está mais acessível a todos nós.
Na platéia, o estudante de Cinema Gabriel Wainer, 27 anos, neto de Samuel Wainer, acentuou a relevância de encontros sobre a História da Imprensa:
—Percebo que a minha geração conhece muito pouco a história de meu avô. Cursei um período do curso de Comunicação Social na PUC, por influência dele e da família. Pouco se ouve falar sobre Samuel Wainer. A história dele é uma grande aventura, de dar inveja a qualquer Indiana Jones. Estudo Cinema e pretendo produzir um documentário sobre a vida de meu avô. Estou muito feliz, é bom saber que a história está viva em eventos como esse.
Para o jornalista Felipe Wainer, 33 anos, também neto de Samuel Wainer, o resgate da memória da imprensa brasileira precisa ser incentivado.
—É muito importante o lançamento deste livro e que palestras como essas sejam realizadas em um país com a memória tão curta. É imprescindível este tipo de homenagem para que não se perca a história. É um absurdo um jornalista hoje se formar – conheço vários que estão se formando – sem saber quem foi Samuel Wainer, citando Pinky Wainer, meu avô foi um homem que não corrompeu seus ideais, nem como político nem como jornalista. Essa foi a questão mais importante para a vida dele. E que nós preservamos como lição.
*Colaboração de Renan Castro, estudante de Comunicação Social, estagiário da Diretoria de Jornalismo da ABI.