A voz dos ancestrais


30/06/2022


Inaê Amado e Lara Sfair, da Comissão de Meio Ambiente da ABI

Dois encontros organizados pelo Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul (NEJ-RS), com apoio da Fundação Luterana de Diaconia, promoveram o diálogo de jornalistas indígenas de cinco etnias diferentes com profissionais não indígenas de vários estados.

A proposta teve o intuito de ajudar os jornalistas não indígenas a voltarem seu trabalho para a diversidade dos 305 povos indígenas brasileiros, evitando generalizações da nossa visão colonialista desse universo, o que, na verdade, o torna invisível.

Ingride Mawé do povo Sateré-Mawé de Santa Catarina reforça essa preocupação sugerindo aos jornalistas não indígenas procurar as fontes originárias e não apenas fontes oficiais ou acadêmicas: “temos lideranças aptas a falar e a tecnologia permite que os jornalistas acessem essas lideranças sem precisar ir ao território”.

Yago Kaingang (Kaingans e Fulni-ô também de Santa Catarina) e Tarisson Nawa (Nawa do Acre) lembram que os colegas não indígenas devem começar suas apurações consultando as diversas organizações indígenas, quase todas, hoje, com um núcleo de comunicação.

Raquel Paris (Kariri no Ceará) chama atenção para nossa ignorância que só vê indígenas nas florestas. “Os indígenas estão em todo o país. Muitos povos vivem nas periferias das grandes cidades e, mesmo com toda a dificuldade, mantêm seus rituais sagrados, sua língua, sua cultura”. Dá um conselho: “se querem falar de povos indígenas, comecem pelos que estão perto de vocês.”

A defesa intransigente dos direitos constitucionais que lhes são negados, desde a demarcação de seus territórios até a comunicação, é denominador comum de todos os povos.

O esforço que os jovens indígenas vêm fazendo para profissionalizar sua comunicação, levou muitos às universidades. Hoje, trabalham nas mídias alternativas e têm seus próprios canais. Inclusive, voltados para a comunicação interna, entre os povos, além dos voltados para o público em geral.

Consideram aliados todos os jornalistas não indígenas que se preocupam em transmitir a realidade desses povos com respeito a sua ancestralidade e a profunda interação com a natureza. “Na verdade, diz Yago, somos a natureza assim como uma árvore ou um animal”. Estão conscientes de que são fundamentais para a preservação e a sobrevivência do planeta.

O curso

Organizado pelas jornalistas Débora Gallas e Eliege Fante, associadas ao NEJ-RS e pesquisadoras do Grupo de Pesquisas em Jornalismo Ambiental UFRGS/CNPq, o curso Jornalismo Indígena para Jornalistas Não-Indígenas teve apresentações, como já citado, de Ingride Sataré Mawé, indígena Sateré-Mawé (SC), comunicadora e ativista ambiental; Raquel Paris, mestra em Literatura e Interculturalidade, doutoranda em Comunicação; Tarisson Nawa, indígena Nawa (AC) jornalista e mestrando em Antropologia Social; e Yago Kaigang, dos povos indígenas Kaingang e Fulni-ô (SC) jornalista e comunicador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e da Articulação dos povos indígenas da região sul.

”A gente fez este curso com objetivo de aproximar os jornalistas não indígenas da prática jornalística que já vem sendo feita pelos jornalistas indígenas graduados formalmente nas universidades, e daqueles que são comunicadores comunitários, que ainda não conseguiram acessar as universidades, mas fazem trabalhos relevantes de comunicação das questões indígenas, tanto para suas próprias comunidades como nas redes sociais, para outras” explica Débora Gallas.

Após o curso, os participantes destacaram que foi bastante positivo poder ter este diálogo, que esta foi a primeira atividade do tipo que eles assistiram. ”Ou seja, ainda não temos o costume de ouvir comunicadores e jornalistas indígenas como referências na nossa profissão. E isto é algo que, na percepção do Núcleo de Ecojornalistas do RS, precisa mudar, já que os indígenas estão na linha de frente em diversos temas de interesse público, como conservação do meio ambiente, justiça climática, direito ao território, violência no campo e na cidade. É mais do que urgente termos contato com seus saberes e olhares para lidarmos com temas que são relevantes para toda a sociedade ” – enfatiza Debora.

“Temos uma demanda dos jornalistas não indígenas, de cobrirem cada vez mais os temas dos quais são protagonistas. Há dificuldade de entender até quais os termos corretos para se referir a esses povos”, continua Débora.

Nos diálogos ficou muito claro que é cada vez mais necessário que os povos indígenas brasileiros façam parte dos fóruns das decisões que os afetam, ocupem os espaços da mídia e que não assumamos – o que seria muito pretencioso – o papel de seus porta-vozes.

Débora lembra que no jornalismo ambiental há questões não propriamente relacionadas com as pautas indígenas, mas que acabam se aproximando em algum momento. ”Para a gente ter um meio ambiente saudável e com sua diversidade preservada, a cultura e a ciência dos povos indígenas precisa ser respeitada. Eles são os guardiões da terra”, conclui.

Em agosto, o NEJ-RS pretende lançar um pequeno manual com termos e nomes indígenas para jornalistas não indígenas.

A organização do curso adiantou que serão incluídas questões que os participantes destacaram.

Assista o curso

Primeiro dia

Segundo dia