A SAGA DA Petrobrás, DA REVOLUÇÃO DE 30 AOS DIAS DO PRÉ-SAL – Capítulo 10


19/11/2019


Cap. 10

uma batalha longa, de quase

dois anos, até a lei da petrobrás

 

Os atos de Getúlio nos primeiros meses de seu segundo governo, ao longo de 1951, seriam suficientes para deixar claro que ele não estava disposto a deixar-se enquadrar, como aconteceria com Perón dois anos depois. Em 1953 o novo Presidente dos Estados Unidos, General Dwight Eisenhower, mandaria à Argentina e ao Brasil seu irmão Milton, presidente da Universidade Estadual da Pennsylvania, para defender a entrega do petróleo dos dois países a empresas norte-americanas. Perón concordou, Getúlio não cedeu.

Até hoje os cientistas políticos discutem se houve duas fases no segundo governo Vargas, uma conservadora, até 1953, e outra reformista, a partir daí. Pelo que estamos vendo do primeiro ano do segundo governo Vargas, a posição e as atitudes de Getúlio não foram nada conservadoras. Essa impressão pode ter resultado da política econômica inicial, na aparência ortodoxa, mas temperada  por decisões como o aumento substancial do salário mínimo. E por outra decisão, talvez a mais importante de sua vida: o projeto da Petrobrás.

O projeto por ele mandado ao Congresso foi aquele recomendado desde o início pelos integrantes de sua Assessoria Econômica, que não estabelecia o monopólio estatal do petróleo.

O futuro Ministro da Justiça Tancredo Neves, então deputado federal pelo PSD de Minas e já muito ligado a Getúlio, contaria:

– O Presidente Getúlio Vargas não enviou para a Câmara o projeto da Petrobrás consignando nele expressamente a tese do monopólio estatal. Reuniu alguns amigos: Antonio Balbino, da Bahia; Walter Cavalcanti, do Ceará; Brochado da Rocha, do Rio Grande do Sul; eu também fazia parte desse grupo. Vargas nos disse que se ele mandasse ao Congresso o seu projeto da Petrobrás com a cláusula do monopólio estatal, este seria fatalmente combatido e violentamente combatido. Que ele ia mandar com a tese em aberto, mas que pediria a um de nós que apresentasse a emenda instituindo o monopólio estatal, porque assim haveria mais facilidade nas negociações, de vez que os seus adversários poderiam apoiar uma emenda que não fosse apresentada como de sua autoria. Assim se fez. O incumbido de apresentar a emenda foi o deputado Brochado da Rocha, e é interessante observar-se o quanto a malícia do Presidente era realista. Tão logo foi apresentada a emenda, os adversários de Vargas mais intransigentes no plenário tomaram conta da emenda e foram muito além do que nós pretendíamos. Os parlamentares da União Democrática Nacional passaram a apoiar a tese do monopólio estatal do petróleo e também a estatização das refinarias e de todas as subsidiárias que viessem a ser criadas em razão do complexo petrolífero estatal no Brasil.

Outra razão para Getúlio não incluir o monopólio no projeto mandado ao Congresso eram os equipamentos comprados pelo Brasil nos Estados Unidos para as futuras refinarias da Petrobrás. Esses equipamentos estavam em fase de embarque e sua entrega seria embargada se se soubesse que eles seriam utilizados por um monopólio que contrariaria grandes interesses norte-americanos.

A moderação do projeto não enganou os inimigos de Getúlio. Jesus Soares Pereira, autor principal do projeto, na Assessoria Econômica da Presidência, descreveria nestes termos a batalha parlamentar que se seguiu:

– Iniciou-se oficialmente essa batalha, longa, de 22 meses, em 5 de dezembro de 1951, ao assinar Getúlio Vargas, em reunião pública a que compareceu todo o ministério, a mensagem com que submetia ao exame do Congresso o projeto de criação da Petrobrás.

– Nessa solenidade, fez o Presidente memorável improviso, irradiado para todo o país, em que sintetizou de maneira admiravelmente precisa os motivos da sua proposição, o significado econômico e político da autossuficiência brasileira em petróleo, a que o projeto visava, e aquilo que seria de esperar da iniciativa governamental, para os anos seguintes à aprovação da lei solicitada ao Congresso. Entretanto, o destino só lhe permitiria conduzir essa luta até o seu desfecho próximo; não presenciar os efeitos da providência governamental que assim promovia, solenemente.

De saída, o projeto sofreu a oposição da esquerda e também da UDN. Como escreveria Moniz Bandeira:

– A corrente nacionalista, apoiada pelo PCB, alegava que alguns dos artigos [do projeto] favoreciam a infiltração da Standard Oil na administração da empresa. E a UDN, que se dispunha a lançar o povo contra o Governo, abraçou a tese dos nacionalistas, uma parte talvez julgando que assim tornaria o projeto inexequível e desacreditaria o empreendimento. A maioria da UDN, como se sabe, estava até então comprometida com o Estatuto do Petróleo [projeto do governo Dutra, de caráter nitidamente entreguista].

Na Assembleia Nacional Constituinte, em 1946, o Partido Comunista votara pela aceitação de capitais estrangeiros na exploração de petróleo no Brasil. Agora, tentava ser mais nacionalista do que Getúlio fora em seu primeiro governo.

O tema era tão apaixonante que muitos deputados da UDN passaram a defender a tese nacionalista e monopolista. Um deputado da UDN, Bilac Pinto, apresentou emendas estabelecendo o monopólio estatal. Até hoje se diz que o monopólio – confirmado com grande maioria e com pouquíssimos votos contrários pela Constituição de 1988 e depois renegado pela onda  neoliberal  da década de 1990 – foi uma conquista da UDN e da emenda do deputado Bilac Pinto.

Na verdade, como disse Tancredo Neves, isso já estava combinado quando Getúlio mandou ao Congresso a mensagem da Petrobrás sem a cláusula do monopólio. A emenda decisiva acabou por ser a apresentada pelo deputado Eusébio Rocha, do PTB de São Paulo.

No mesmo mês em que mandou ao Congresso o projeto da Petrobrás, Getúlio respondeu ao pedido de tropas brasileiras para a Guerra da Coréia, uma guerra iniciada em 1950 e na qual os Estados Unidos confrontavam-se com as forças da Coréia do Norte, apoiada pela então União Soviética (e, em seguida, pela China comunista). Essa decisão foi dada em resposta a um novo pedido do Departamento de Estado, agora a 30 países, entre os quais o Brasil, no mês de dezembro.

O Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, General Góis Monteiro, comunicou ao representante norte-americano, General Bolté, que o governo brasileiro  “encontraria dificuldades para obter suficiente apoio popular à  decisão e por isso considerava inconveniente a participação efetiva de quaisquer forças brasileiras em qualquer tipo de guerra asiática”.

Depois dessas duas decisões – recusar tropas para a Guerra da Coréia e mandar ao Congresso o projeto da Petrobrás –  Getúlio denuncia, em seu discurso de fim de ano, na noite de 31 de dezembro de 1951, os abusos do capital estrangeiro no Brasil.

– Em 1950 – diz Moniz Bandeira – o total dos registros de capital estrangeiro montou a 25 bilhões de cruzeiros. Nesse total, o dinheiro estrangeiro realmente trazido para o Brasil representava pouco mais de 9 bilhões, enquanto se consideravam como capital estrangeiro mais de 15 bilhões em moeda nacional, provenientes de lucros legalmente intransferíveis e indevidamente incorporados ao capital.

– Entretanto – adverte Getúlio em seu discurso – o que vimos nesse mesmo ano de 1950 foi o capital estrangeiro registrado num total de 25 bilhões, ostentando, pois, um excedente de 16 bilhões sobre o seu legítimo e real valor. Isso representa um aumento escandaloso e ilegal de cerca de 200% no capital estrangeiro aplicado no Brasil.

Getúlio não dispunha ainda dos números da remessa de lucros sobre esses capitais em 1951. Em 1950, as remessas de lucros tinham chegado a cerca de 87 milhões de dólares. Em 1951, saltaram para 137 milhões. Segundo cálculos do Ministério da Fazenda, citados por Moniz Bandeira, as empresas americanas sediadas no Brasil enviaram para suas matrizes lucros da ordem de Cr$ 2,6 bi em 51, e de 1,9 bi em 52. Isso sem falar no superfaturamento…