A luta dos jornalistas do Chile contra a repressão policial


14/06/2021


Por Victor Pino, conselheiro estadual do Colegio de Periodistas de Chile em Valparaíso e coordenador nacional da equipe de Veedoras y Veedores por el Derecho a la Comunicación

O trabalho do Colegio de Periodistas frente à violencia e repressão policial no contexto das manifestações sociais e a postura do governo chileno

As manifestações, iniciadas pelos estudantes chilenos em 18 de outubro de 2019, mudou a relação da polícia (Carabineros) com os meios de comunicação tradicionais, gerando uma nova forma de comunicação social e crítica, que atingiu não só as instituições, mas também a credibilidade dos meios de comunicação do país, gerando ataques contra os profissionais da imprensa tradicional e consolidada.

A respeito de Carabineros, antes de a relação da população era de confiança e a imprensa apoiava essa sensação com a divulgação das ações policiais, exceto por um ou outro caso de corrupção ou abuso, que eram tratados com individualização dos responsáveis. Após a revolta popular e o uso de táticas violentas para reprimir os manifestantes, que incluíam o uso de balas de borracha, jatos de água e gás lacrimogêneo, além do uso de gás de pimenta, mudaram essa percepção, gerando ainda mais insatisfação da população.

 

O país que os jornalistas não viam

A imprensa tradicional, principalmente no começo das manifestações, seguiu o discurso presidencial de criminalização e ataque aos revoltosos, algo similar ao vivido no Brasil em 2013 durante o Passe Livre. Consequentemente os meios de comunicação alternativos, criados por comunicadores sociais a partir de perfis no Twitter, Facebook e, principalmente, Instagram, passaram a mostrar um país que não se via refletido nos jornais e nos noticiários, e as agressões, antes contabilizadas apenas pelas forças de ordem (e que geralmente não incluíam manifestantes feridos e sim o número de detidos), começaram a ganhar visibilidade.

Perfis como Piensa Prensa e Radio Villa Francia (de um meio de comunicação comunitário de um dos setores mais carentes de Santiago) começaram a ganhar relevância no cotidiano de grande parte da população que passou a incorporar em seu cotidiano não só a participação nas marchas e protestos, mas também o compartilhamento das diversas denúncias que surgiam diariamente em seus celulares.

Os jornalistas profissionais começaram a ser atacados tanto pela população, já que foram vistos como parte do poder tácito, como pelas forças de segurança, já que eram testemunhas e realizavam registros da violência que abundava as mais distintas plataformas.

Dentro desse contexto vim para o Chile em outubro de 2019, enviado pela Carta Maior, e na primeira semana no país fui vítima de uma bala de borracha por parte de Carabineros, no meu caso, afortunadamente (sic) a ferida foi na perna esquerda.

A situação dos meios de comunicação mudou nos meses seguintes, não com relação à aversão aos meios tradicionais, que tiveram que adaptar na medida que seus anunciantes permitiram, a cobertura das ruas, sendo notadamente favorável no dia 25 de outubro de 2019, durante a cobertura da “Marcha más Grande de Chile”, que levou às ruas cerca de 18% da população em todo o país.

 

Jornalismo em pandemia

A chegada do coronavírus acabou sendo um alivio para o, desde outubro, combalido governo chileno. Por um lado, as manifestações arrefeceram, por outro, a situação sanitária permitiu um maior controle dos jornalistas independentes e dos meios de comunicação alternativos. Nesse período o Colegio de Periodistas de Chile se articulou para gerar salvo-condutos para jornalistas sindicalizados e alguns meios de comunicação alternativos mais consolidados.

A polícia chilena, no entanto, aumentou a repressão aos comunicadores, sendo constantes as detenções de fotógrafos, cinegrafistas e jornalistas, posteriormente liberados sem que fossem apresentadas acusações, só que durante a madrugada. Além disso, a falta de representatividade da classe política gerou uma situação de distanciamento da população com a classe política aumentando a relevância dos meios de comunicação alternativos e dos movimentos sociais, que passaram a representar os anseios da população insatisfeita com os discursos e com a cobertura jornalística.

Essa conjuntura gerou a necessidade de trabalho conjunto das organizações de defesa da liberdade de imprensa, nascendo assim o Bloque por el Derecho a la Comunicación, integrado por:

–  Colegio de Periodistas de Chile

– Red de Periodistas Feministas

– Fundación Datos Protegidos

– Observatorio del Derecho a la Comunicación

– Red de Periodista y Comunicadores Migrantes

– Programa de Libertad de Expresión del Instituto de la Comunicación e Imagen de la Universidad de Chile

– Mujeres en el Medio

– Diario El Siglo

– El Desconcierto

– Página 19

– Radio Universidad de Chile

– Comité por la Defensa de la Televisión Pública

– Radio Juan Gómez Milla de las Escuela de Periodismo Universidad de Chile.

– ONG ECO, Educación y Comunicaciones

– UPLA TV (Canal Universitario de la Universidad de Playa Ancha)

– Facultad de Ciencias Sociales de la Universidad de Playa Ancha

– Fotógrafa Nicole Kramm

– Brigada de Comunicación. Feminista, BRICOFEM

– La Voz de los que Sobran

– Mapuexpress

– El Clarín

– Nodo Social

– Asociación Chilena de Periodistas y Profesionales para la Comunicación de la Ciencia A.G

– Horizonte Ciudadano

– Derechos Colectivos

– Observatorio de Participación Social, UPLA

– Diplomado en Derechos Humanos y Comunicación

 

Observadores do Direito à Comunicação

Em outubro de 2020 regressei ao Chile como parte de um projeto de vida, e analisando a situação vivida no país apresentei ao sindicato a proposta da formação da equipe de “Veedoras y Veedores por el Derecho a la Comunicación”, uma equipe de jornalistas sindicalizados que acompanhariam o trabalho dos profissionais de comunicação nas manifestações e que teriam como função principal proteger o exercício profissional.

Em um primeiro momento a principal função da equipe era a de denunciar agressões e violações aos Direitos Humanos no que se refere à Liberdade de Expressão e de Imprensa. O trabalho, que em pouco tempo ganhou grande relevância entre os trabalhadores dos meios de comunicação, conquistando a confiança de grupos de defensores de Direitos Humanos.

Dois meses depois o Colegio de Periodistas conseguiu formar uma aliança com duas organizações de advogados: CODEPU – Corporación de Promoción y Defensa de los Derechos del Pueblo e o Observatorio de Derechos Humanos y Violencia Policial, permitindo aos profissionais de meios de comunicação, alternativos e tradicionais, contar com apoio jurídico gratuito na defesa do direito à Comunicação e com a presença física de um advogado na delegacia onde for conduzido.

Atualmente a equipe de Veedoras y Veedores por el Derecho a la Comunicación está formada por 28 jornalistas, que não tem obrigação de sair às ruas, mas mantém contato constante com representantes dos sindicatos profissionais dos meios tradicionais, grupos de Whatsapp de fotógrafos e com os meios de comunicação alternativos.