A internet quebrou o pensamento único no jornalismo”, diz o colunista político Ancelmo Gois


31/03/2023


O controle da mídia corporativa no país, em nível nacional e regional, por um pequeno grupo de famílias da elite econômica e política foi minado pelo avanço da internet, que deu voz a um grande conjunto de jornalistas e comunicadores. Essa é a avaliação de Ancelmo Gois, um dos ícones do colunismo político no país. Ele reconhece que há problemas, que a internet deu voz “até aos idiotas”, abriu caminho para pseudojornalistas que vivem de disseminar desinformação. Mas está convencido de que se combate o mau jornalismo digital com mais internet, mais democracia e mais pluralidade de opinião.

Gois participou do 9º painel da 1ª Semana Nacional de Jornalismo promovida pela ABI em parceria com a UERJ, que discutiu na manhã de sexta-feira (31), O papel do jornalismo na política, ontem e hoje. Ele dividiu a mesa com os jornalistas Luís Nassif, diretor de redação do GGN; Renato Rovai, diretor da revista Fórum; e Marcelo Auler, repórter investigativo e dono de um blog, comentarista das TVs GGN e 247 e conselheiro da ABI. O painel foi mediado pela jornalista Lia Ribeiro Dias, diretora de Inovação da ABI.

O otimismo de Gois com as possibilidades abertas pela internet, mesmo com os problemas relacionados ao avanço das fake news, é visto com certa reserva por Luís Nassif. Se contribuiu para ampliar os geradores de informação jornalística para além da mídia corporativa tradicional e aumentar a diversidade, ele entende que a internet acabou por desorganizar o mercado de informação. “Este é um grande problema atual que enfrentamos”, disse.

Renato Rovai avaliou que só será possível recuperar o bom caminho do jornalismo com um amplo debate no país que coloque na mesma arena aqueles que, independentemente de suas convicções políticas e ideológicas, têm apreço pela verdade dos fatos e pela ética no exercício do jornalismo. “Os bolsonaristas se utilizaram e se utilizam da distorção das fake news (para confundir o debate público)”, observou ele, reconhecendo, no entanto, a importância da internet no combate ao pensamento único no jornalismo que dominou os anos 1990 e começo dos 2000, apoiado no ideário do neoliberalismo, fenômeno que se reproduziu em toda a América Latina na esteira da liderança de Bush, nos Estados Unidos; Margareth Thatcher, no Reino Unido; e Helmut Kohl, na Alemanha.

Quarto poder

Como destacaram todos os expositores, o jornalismo sempre caminhou de mãos dadas com a política. “No passado não era possível separar um do outro, tanto que se dizia que a imprensa era o quarto poder. Os políticos precisavam dos jornalistas para conseguir visibilidade pública. Tanto isso era verdade que muitos políticos se transformaram em donos de veículos de mídia regional, a maioria distribuindo localmente os sinais da Globo”, relembrou Marcelo Auler, ao comentar as características do jornalismo nas décadas de 1970, 1980 e 1990.

Como a popularização da internet e o acesso praticamente gratuito aos meios de produção do fazer jornalístico, a imprensa, na concepção de Auler, perdeu o status de quarto poder e os políticos puderem criar seus próprios canais de comunicação e suas TVs e “disseminar suas fake news”, afirmou. Junto com a mudança de cenário, Auler entende que os jornalistas da mídia corporativa perderam a capacidade de questionar. “E o jornalista não pode deixar de ser questionador”.

Essa inércia que parece ter tomado conta das redações da mídia corporativa a partir do final dos anos 1990 e 2000 se deve, no entendimento de Luís Nassif, à adoção, pela revista Veja seguindo o estilo de fazer imprensa do megaempresário da mídia Rupert Murdoch, do discurso do ódio como esteio do jornalismo. “Tratava-se de destruir artistas, escritores, jornalistas, políticos, todos que não comungavam do ideário neoliberal. Criou-se até a figura do colunista do ódio”, lembrou Nassif citando vários exemplos.

Nem Chico Buarque, nem Luís Fernando Veríssimo foram poupados da artilharia do ódio, iniciada pela Veja e secundada por Folha, Estadão, Globo, entre outros.
Este direcionamento, que viveu seu apogeu a partir de 2013 até o impeachment da presidenta Dilma e durante toda a Lava Jato, foi em parte superado quando entrou em cena a Covid 19. “Aí parece que a mídia corporativa começou a retomar seu rumo, na defesa da ciência e da prestação de serviços à população”, disse Ancelmo Gois.

Nassif, no entanto, entende que a mídia corporativa ainda tem que pagar pelos erros que cometeu na cobertura da Lava Jato, quando a apuração dos fatos foi substituída por press releases e vazamentos selecionados da força tarefa que pautou a imprensa nacional comercial sem nenhum pudor.

Gois destacou que nem neutralidade, nem isenção total existem no jornalismo. “A isenção absoluta é uma impossibilidade humana. O jornalista pode ter opinião e dar a sua opinião. O que não pode é fugir aos fatos, à objetividade na apuração e análise e a fazer seu trabalho com seriedade.”