11/11/2021
Por Rogério Marques, conselheiro da ABI.
Maio, 1979. Lá se vão 42 anos, mas como esquecer? A paralisação, por duas horas, dos jornalistas de São Paulo, nesta quarta-feira, me remete a um episódio da famosa greve de 79, também lá em São Paulo, que pegou de surpresa um grupo de jornalistas cariocas, no bairro de Botafogo. Um episódio meio esquecido.
Eu era um jovem jornalista, vindo do jornal O Fluminense, em Niterói. Tinha sido contratado como editor de texto há apenas seis meses pela TV Bandeirantes, que ainda estava longe de ser conhecida como Band. Aqui no Rio, a emissora havia sido inaugurada há pouco mais de um ano. Funcionava então em um prédio perto do atual mas bem mais modesto. Apenas quatro andares, sem elevadores
Nos dias que antecederam a greve todos nós acompanhávamos com entusiasmo as notícias sobre o movimento dos colegas de SP, com quem falávamos por telefone diariamente. A principal reivindicação era um reajuste de 25%. Tempos de muita inflação. Com a intransigência habitual dos patrões, tudo caminhava para a greve, que acabou acontecendo, decidida em uma assembleia que reuniu mais de 1500 jornalistas. No dia seguinte cheguei ao trabalho e notei uma movimentação diferente de várias chefias, da parte técnica e do jornalismo. Um clima tenso.
De repente, dois chefes chamam todos os jornalistas presentes à emissora para uma reunião, ali mesmo na redação do segundo andar. Entraram direto no assunto: “Recebemos da direção em SP orientação para transferir a cabeça de rede para o Rio e fazer os jornais aqui.”
Ou seja, imagens, mesmo precárias, a maioria de agências e de cinegrafistas autônomos contratados às pressas, seriam geradas de SP para serem editadas e narradas no Rio. Assim, o jornal das 13 horas, que se chamava “Primeira Edição”, e o Jornal Bandeirantes, da noite, seriam postos no ar a partir do Rio. Ninguém esperava aquilo. Uma coisa é uma categoria profissional se preparar para uma greve. Outra é ter que decidir se participa ou não de uma greve assim, de repente. Em um minuto tudo pode mudar, e mudou mesmo.
Quando os dois chefes acabaram de dar a notícia, silêncio total. Pela cabeça de todos passava a famosa pergunta: que fazer? Numa atitude um tanto impulsiva, quebrei o silêncio: “Desculpe, mas eu não me sinto à vontade para fazer esse trabalho.” Ninguém me seguiu. Abro aqui um parêntese: não julgo nem condeno os colegas que, pegos de surpresa, optaram por trabalhar. Cada um sabe de si. Ninguém é “herói” ou “vilão” em tempo integral. Ninguém! Apenas lembro este episódio porque é impossível esquecer, mesmo 42 anos depois. Quem estava por lá naquele momento há de lembrar, também, de tudo isso.
Enquanto durou a greve, eu editava apenas os jornais locais, já preparado para um comunicado de demissão, que não veio. Vivi dias tão tensos como os dos colegas de São Paulo. Soube mais tarde, por terceiros, que um dos chefes do jornalismo da Bandeirantes em SP, João Vitor Strauss, pessoa corretíssima, já falecido, foi importante para evitar minha demissão, mesmo sem termos uma relação de amizade, apenas de colegas. Ele nunca comentou isso comigo, nem eu com ele.
Em São Paulo, os piquetes nas portas dos jornais não foram suficientes para impedir a circulação. Assim como na TV Bandeirantes, os patrões jogaram tudo para derrotar a greve. Uma semana depois, o movimento foi decretado ilegal pelo Tribunal Regional do Trabalho, e começaram as demissões. Mais de duzentas!
Até hoje os jornalistas de São Paulo se dividem ao avaliar aquela greve. Para uns, foi precipitada. Para outros, correta e necessária. Mas em um ponto quase todos concordam: foi um momento de ousadia que uniu centenas de colegas, em plena ditadura militar, por melhores condições de trabalho da nossa categoria profissional.
Aos companheiros de São Paulo que neste momento lutam pelos mesmos motivos, estamos todos na torcida, mais uma vez.