15/01/2023
Por Maria Luiza Franco Busse, diretora de Cultura da ABI
Artigo pronto, belo e triste título roubado de mais uma fala inspirada de sábio conselheiro, e foi tudo para o lixo. Seria uma reflexão sobre o ‘Relatório preliminar da vistoria de bens culturais afetados por vandalismo’ produzido pela Superintendência do Iphan no Distrito Federal sobre o atacado acervo de arte em exposição permanente nos prédios do Supremo Tribunal Federal, Congresso e Palácio do Planalto, representações institucionais maiores da República localizados na Praça dos Três Poderes.
O documento de 50 páginas com informação descritivo-fotográfica é dividido em quatro partes. Na primeira, os danos aos imóveis e móveis, ações emergenciais de médio e longo prazo para restauro e devolução dos bens ao estado anterior. Na segunda, os recursos a serem utilizados pela administração pública em razão do Conjunto Urbanístico de Brasília ser considerado Patrimônio Cultural Mundial. Na terceira, levantamento preliminar de corpos técnicos que podem ser necessários em etapas posteriores ao processo de análise e restauro e, por fim, registro fotográfico com descrição sintética da destruição causada pela selva originária do inconsciente que habita nazifascistas.
A ação terrorista determinada em dar um fim ao governo de seis dias pode ser acompanhada em tempo real pela televisão e redes sociais. No Congresso, se viu o resultado da agressão material no painel transparente de vidro jateado de areia que dividia ambientes do Congresso desde 19970 permitindo ampla passagem da luz. A ‘Bailarina’, esculpida em bronze por Victor Brecheret, arrancada do pedestal, segue desaparecida. No Palácio do Planalto, ‘Mulatas’, quadro do pintor Di Cavalcanti, foi esfaqueado, e parece irreparável o estrago causado no relógio francês do século XVIII, um dos dois únicos exemplares no mundo feitos por Balthazar Martinot, relojoeiro do rei Luís XIV. No interior do Supremo Tribunal Federal, só restou escombro. Do lado de fora, a estátua de granito de Temis, deusa grega da Justiça, foi pichada com ‘Perdeu Mané’.
Quando ainda estávamos centrados na dor pela violência contra a arte que nos permite momentos ou situações constantes de convivência delicada e cúmplice, chega Lula e acaba com a sofrência. Em mais uma das suas sofisticadas filigranas de simplicidade, assistimos à mais tocante pintura da realidade na alegria, entusiasmo e sorriso dos funcionários e funcionárias da limpeza que botaram ordem na casa dos três poderes e receberam a gratidão do que volta a ocupar o Palácio do Planalto por mais quatro anos. Diante de tão pura arte, o artigo original foi para o brejo e o título que seria ‘Cultura torturada’ perdeu serventia. Tudo culpa do Lula que teima em afirmar o irredutível da vida e com isso conduz o texto para o sentido de se seguir desenhando e esculpindo o melhor dos mundos mesmo no caminho da dura realidade em que estamos pisando. Dá trabalho, mas vale a pena.
Obrigada presidente Lula.