A ciência histórica perde Ciro Flamarion Cardoso


03/07/2013


 

Ciro Flamarion Cardoso

Ciro Flamarion Cardoso

Ciro Flamarion Cardoso morreu no último dia 29, aos 71 anos, vítima de um câncer. Um dos principais historiadores do país, Ciro obteve reconhecimento internacional com o livro “Os Métodos da História”, escrito em parceria com o professor e escritor argentino, naturalizado costarriquenho, Héctor Pérez Brignoli.

Nascido em 20 de agosto de 1942, Ciro formou-se em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Concluiu o doutorado pela Universidade de París X, França, e o pós-doutorado pela New York University, nos Estados Unidos.

Trabalhou como professor e pesquisador em diversos centros acadêmicos da América Latina e Europa. Atualmente era professor do curso de mestrado em História na Universidade Federal Fluminense, em Niterói, no Rio de Janeiro.

Natural de Goiânia, Ciro foi autor de uma forte produção bibliográfica com temas relacionados à História Antiga e Medieval, Egiptologia, e os modos de produção escravista colonial no Brasil.

O historiador e professor Rafael Rossi, que foi aluno de Ciro Flamarion Cardoso, homenageou-o com um texto que tem o seguinte teor:

“A ciência histórica perde o professor Ciro Flamarion Cardoso

Por Rafael Rossi

A intelectualidade brasileira perdeu um dos seus maiores cérebros. Quando vi a notícia no Facebook não acreditei. Ciro lutava contra um câncer faz tempo e tinha acabado de se aposentar pela compulsória (aos 70 anos de idade). Foi marxista até o fim, mesmo quando muitos da área das ciências sociais e humanas escolheram o caminho do pós-modernismo. Morre aos 71 anos um dos maiores intelectuais da História do Brasil e um de nossos maiores acadêmicos.

Apesar disso, não quero dar ênfase a esse fato. Ciro gostava de dar aulas, gostava de ser professor e é o professor Ciro Flamarion Cardoso que eu quero lembrar. Quando entrei para o curso de graduação em História na Universidade Federal Fluminense, em 2003, ainda não tinha lido nenhum livro do Ciro. Mas tive a sorte e o privilégio de tê-lo como professor logo no primeiro período da faculdade, no curso de História Antiga. Depois disso, entrei para o CEIA-UFF, grupo de pesquisa coordenado por Ciro e apresentei uma comunicação sobre as revoltas de escravos na Roma antiga. Com o tempo, fui sugado pela militância no movimento estudantil e político-partidária e não pude me dedicar à pesquisa, mas já no início pude contar com sua generosidade e com o seu apoio no meu crescimento intelectual. Acabei fazendo minha monografia de final de curso partindo do tema da comunicação apresentada no segundo período de faculdade e tendo Ciro como meu orientador.

Muito aprendi com nossas conversas. Discordo totalmente daqueles que vêem o Ciro como alguém rigoroso no fazer acadêmico. É verdade que ele nos orientava no sentido de elaborar bem nossas hipóteses, na definição dos temas e no uso dos métodos e da teoria, para ele fundamental – Ciro era um racionalista e não um empirista. Mas o professor Ciro valorizava também a originalidade, a criatividade e tive bastante liberdade na elaboração não só da minha monografia, mas também da minha dissertação no mestrado em História Social Antiga que fiz na Uff de 2009 a 2011. Ele incentivava os alunos a tomarem seus próprios caminhos. Ciro era solidário e pude contar com ele para a minha defesa contra esse Estado repressivo e opressor que vivemos quando fui preso injustamente e de forma ilegal no ato contra o Presidente Obama no Rio.

Ciro falava sempre de maneira franca. Talvez as pessoas mais hipócritas não entendam isso, mas nunca o vi se valer de argumentos de autoridade para defender seus pontos de vista, debatendo com argumentos racionais e abertamente tudo. Felizmente, o professor Ciro contou com algumas homenagens ainda em vida; afinal, homenageá-lo somente depois da morte faria pouco sentido para ele, que era ateu, mas talvez nem tanto, pois sabemos que ele será eternizado na nossa Historiografia como um dos mais curiosos e inventivos de nossos historiadores.

É difícil encontrar algo sobre o que ele não tenha escrito, o que não tenha pesquisado. Ele era egiptólogo, é verdade, e estudou a escravidão nas colônias da América, mas também estudou a América pré-colombiana, a Grécia e a Roma antiga, o trabalho compulsório na Mesopotâmia, no Egito, na Grécia, em Roma, os métodos da ciência histórica. E difícil encontrar algum tema que o Ciro não tenha estudado, analisado. A professora Sônia Rebel homenageou aquele que também foi seu mestre e amigo com um livro sobre a sua vida.

Estudantes orientados pelo Ciro no mestrado, no doutorado, como o meu amigo Fábio Frizzo, estiveram com ele em vários momentos felizes e também difíceis. Ciro era tudo, menos um solitário. Tinha amigos. Ele não tinha somente pessoas que o veneravam, mas também pessoas que conviviam com ele e que foram marcadas por ele. Ciro foi um dos professores que mais marcou a minha vida e é esse professor que eu quero homenagear. Muitos farão homenagens ao grande historiador que ele foi e devem fazê-lo, mas, para mim, o Ciro professor é que me marcou. Só posso pensar numa maneira de as pessoas honrarem sua memória: leiam suas obras, aprendam com elas e as critiquem. Ciro sempre foi um crítico e duvido que gostaria de ver sua obra intelectual transformada em obra sagrada, fossilizada. E lembremos os amigos, familiares, alunos e todos aqueles que conviveram com ele a pessoa que ele era.”

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Rafael Rossi, graduado em História, é professor do ensino público do Estado do Rio de Janeiro.