“A cidadania indefesa ante a corrupção”


28/11/2011


           
Em palestra no Fórum Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia, comemorativo dos 40 anos da criação dessa Corte de Contas, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, declarou que “a cidadania assiste indefesa e sem poder de articulação em defesa dos dinheiros públicos ao delírio a que se entregam administradores públicos na enunciação de projetos de utilidade social questionável”. Entre esses projetos citou o Presidente da ABI o da implantação do chamado trem-bala entre São Paulo, Campinas e o Rio de Janeiro e “empreendimentos que farão a fortuna de empresários, administradores e aproveitadores de todo jaez, como as obras de reforma, construção ou reconstrução de estádios de futebol para a Copa do Mundo de 2014”.
           
 
A palestra foi proferida no dia 24 de novembro, como parte do primeiro dia do Fórum, que contou com a presença de membros do Tribunal de Contas do Estado da Bahia, de prefeitos e parlamentares e do Governador Jaques Wagner. A intervenção de Maurício teve o seguinte teor:
 
 
“Tal como fizeram oradores da sessão da manhã, quero saudar o Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia pela oportuna iniciativa de organizar o presente Fórum, que vem oferecer uma contribuição inestimável ao  conhecimento dos temas constantes de seu temário.  Promove assim este  TCM  uma comemoração digna dos 40 anos de relevantes serviços que tem prestado aos Municípios do Estado, os quais justificam o prestígio  que esta Corte alcançou  no Sistema Tribunais de Contas do País.
 
 
Saliente-se desde logo que o tema que me coube — a comunicação dos Tribunais de Contas com a sociedade — abrange um aspecto que adquiriu extrema atualidade e caráter agudo nos últimos tempos – diríamos  nos últimos anos – em razão da aspiração e preocupação do conjunto da cidadania de saber como estão sendo utilizados os crescentes recursos colocados à disposição do Poder Público nos diferentes  níveis da Federação, sobretudo em face da freqüência com  que são anunciados desvios de toda natureza  nessas aplicações. 
 
Nunca ocorreram entre nós, como agora, tantas fraudes e tantos assaltos aos cofres públicos; tanta manipulação de licitações; tanta aposição de sobrepreços aos bens e serviços adquiridos pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal — campeão   em diferentes modalidades de corrupção — e pelos Estados, através da ação de quadrilhas enquistadas na máquina pública  que se especializaram em numeroso elenco de práticas desonestas, criminosas. Testemunhamos agora aquilo que há cerca de vinte anos o cineasta Cacá Diegues colocou nos lábios do personagem  vivido pelo ator José Wilker em seu filme Bye Bye Brazil:  entre nós a sacanagem é bem administrada. É ela  tão bem gerida que em pouco teremos cursos de pós-graduação ministrados por eméritos doutores nessas práticas.
 
 
A cidadania assiste indefesa e sem poder de articulação em defesa dos dinheiros coletivos ao delírio a que se entregam administradores públicos na enunciação de projetos de utilidade social questionável, como o da implantação do chamado trem-bala entre São Paulo, Campinas e Rio de Janeiro, obra orçada em R$ 21 bilhões, segundo uns, ou em R$ 32 bilhões, segundo outros, e a empreendimentos que farão a fortuna de empresários, administradores e aproveitadores de todo jaez, como as obras de reforma, construção ou reconstrução de estádios de futebol para a Copa do Mundo de 2014, a maioria fadados a subutilização prolongada após o certame, em razão de insuficiente público esportivo na maioria dessas praças.  Sem contar os reajustes que certamente virão, no habitual jogo de aprovação de  aditivos e refazimento de licitações,   
serão R$ 5.563,7 milhões em reformas, construção ou reconstrução de estádios,  e isso graças à atribuição do custo da reforma do Estádio Beira-Rio (R$ 290 milhões)) ao Sport Clube Internacional de Porto Alegre, seu proprietário, e da responsabilidade de construção do Itaquerão ao Sport Clube Corinthians (R$ 920 milhões), ainda que com generoso empréstimo de um orgão público, o BNDES.
 
 
Para a formação do sentimento de indignação que a esse respeito domina atualmente a sociedade tem sido fundamental a atuação das instituições do Sistema Tribunais de Contas, da imprensa, de diferentes órgãos do Poder, como a Polícia Federal, o Ministério Público da União e dos Estados, a Corregedoria-Geral da União e de parlamentares, sem distinção de partidos, comprometidos com a defesa da ética na vida pública. Diga-se que não é simples o encargo que cabe nesse particular aos Tribunais de Contas, que desenvolvem atividades que escapam à percepção leiga do cidadão comum.
 
 
Pela dicção dos artigos 70 e 71 da Constituição da República, o Sistema Tribunais de Contas tem um papel fundamental no auxílio ao Congresso Nacional em sua atribuição de promover a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das suas entidades da administração direta e indireta. Essa fiscalização envolve o exame da legalidade, da legtimidade, da economicidade, da aplicação das subvenções e da renúncia de receitas, aspectos que se situam muito acima da capacitação dos cidadãos comuns, por mais interessados que sejam pelos destinos da coisa pública.
 
 
A intermediação entre esse direito e interesse da cidadania e a realidade da gestão dos negócios públicos é um dos encargos do Sistema Tribunais de Contas, que nos últimos anos tem avançado no processo de aperfeiçoamento de sua comunicação com o conjunto da sociedade, seja pela intensificação da difusão de informações a respeito de suas atividades, seja pela adoção de formas criativas de fazer que essas informações cheguem aos cidadãos comuns, como poderão relatar representantes dos órgãos de Contas que promoveram iniciativas dessa natureza.           
 
 
É estimulante registrar que a preocupação com a informação à cidadania já há algum tempo alcançou dimensão institucional no Sistema, através de realizações de caráter continuado, como o Progama de Modernização do Controle Externo-Promoex, que incluiu a comunicação entre os aspectos de que o Sistema cuidaria. Ocuparam-se também da questão iniciativas isoladas como o III Seminário de Comunicação dos Tribunis de Contas do Brasil, promovido pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil-Atricon, Instituto Rui Barbosa, Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro e Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, no âmbito da  pesquisa Desafios da Transparência e do Acesso à Informação, que submeteu 40 quesitos a 33 Tribunais de Contas. Os números dessa pesquisa nos foram proporcionados pelo Conselheiro  Fernando Augusto Melo Guimarães, Preesidente do Tribunal de Contas do Estado do Paraná, a quem agradecemos a atenção, a diligência e a presteza com que atendeu à solicitação que fizemos a respéito.
 
 
As informações assim obtidas permitem-nos uma avaliação global do tratamento que o Sistema dá à matéria, que conta com 32 unidades responsáveis, nas quais atuam 275 servidores, dos quais 147 com formação na área de comunicação,  e têm  vinculação hierárquica (94%) diretamente com a Presidência do respectivo Tribunal. Um contingente expressivo (73%) dos órgãos consultados reconheceu que é insuficiente a estrutura com que contam, apesar da importância (muita, 12%; normal, 18%) que é conferida à comunicação no planejamento estratégico do Tribunal, do qual participam 30 dos 33 órgãos pesquisados. Mais da metade dos Tribunais (18) revelaram que não contam com um plano de comunicação, enquanto 64% deram conta de que não mantêm 
encontros regulares com a imprensa e a mídia e  61% não contam com consultoria na área de comunicação.
 
 
Quanto à difusão das informações, revelaram os Tribunais que o principal instrumento com que contam para isso é o site do órgão, mas tem também peso significativo o noticiário encaminhado às emissoras de rádio (64% dos órgãos), à televisão (18%) e a sites ou blogs especializados (18%), afora as informações constantes de cartilhas, revistas e outras publicações (55% ). O aproveitamento das informações conta com um índice alto: 97% em jornais, 97% em televisão, 91% em rádio, 82% em sites ou  blogs. A quase totalidade (97%) das decisões plenárias dos Tribunais são informadas aos meios comunicação, na maior parte dos casos por release (84%) ou por divulgação no portal do órgão (66%). São raros os casos de divulgação por áudio (6 órgãos, ou 19%) e vídeo (8 órgãos, ou 25%)   
 
 
É com reflexões sobre esses dados que o Sistema poderá avançar ainda mais para alcançar o objetivo comum a todos os seus órgãos: levar à sociedade informações que lhe permitam valorizar os mecanismos de controle dos gastos públicos e de preservação da ética na administração e na vida social.”