02/07/2008
A carreira do jornalista Neiva Moreira sempre se destacou pela obstinação e a inquietação, marcas registradas dos repórteres, que, depois de um certo tempo no exercício da profissão, acabam se tornando veículos e testemunhas de alguns dos fatos mais importantes da História. Para o também jornalista Raymundo Ozan Coelho Neto, professor de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão, Neiva Moreira tornou-se um símbolo da história contemporânea em seu estado e no Brasil, devido à trajetória também na vida parlamentar.
“Ele possui história pessoal, profissional e pública coerente e inconfundível”, afirma Raymundo na apresentação do livro “O pilão da madrugada — Neiva Moreira, um depoimento a José Louzeiro” (Indústria Gráfica e Editora Lithograf, MA). No prefácio, o retratado confessa que durante muito tempo resistiu ao convite para depor sobre os fatos que acompanhou ao longo da carreira, achando que suas histórias só interessariam às pessoas que tiveram alguma ligação com os episódios narrados. “Não sentia que a narrativa aqui feita pudesse interessar a leitores fora do ciclo de pessoas que participaram dos acontecimentos”, diz o jornalista maranhense.
Depois de ceder a uma “generosa conspiração doméstica” da companheira Beatriz Bissio, igualmente jornalista, Neiva Moreira acatou a sugestão de José Louzeiro — maranhense como ele e igualmente obstinado — e lhe deu seu depoimento, que resultou em mais de 20 fitas gravadas, “muita conversa e algumas pesquisas”. Na opinião do autor, os repórteres são os narradores dos acontecimentos do dia-a-dia e também do futuro; não importa a hora e nem o lugar, lá estão eles prontos para contar a história.
Este é o contexto de “O pilão da madrugada”, segundo Louzeiro um livro-reportagem que fala da “da inquietação, do inconformismo diante das injustiças e do fascínio pelo perigo” de seu protagonista.
Raízes
Neiva Moreira nasceu no município de Nova Iorque, a 600 quilômetros de São Luís do Maranhão, na região sertaneja do Médio Parnaíba, onde foi construída a Barragem de Boa Esperança. Quando fala de suas raízes, o jornalista conta que é filho do quitandeiro Antônio Neiva Moreira e da professora Luzia Guimarães Moreira, conhecida como Mariinha, de quem herdou o interesse pela leitura e pelas atividades políticas. Sobre ela, declara: “(…) Sempre a considerei, sem medo de errar, uma militante progressista. Escrevia e organizava reuniões artísticas. Não sei como aprendeu francês. Recebia jornais de Paris e o seu exemplo, desde cedo, transformou-me em um não-conformista. Ela vivia em choque permanente com o meio. (…)”
Foi da mãe também que recebeu a influência para o jornalismo: “(…) Recordo-me que ela compunha um jornalzinho, A Liberdade, em folhas de papel almaço, que não agradava a muita gente. Por isso a publicação teve vida efêmera. (…)”
No Liceu de Teresina, onde foi matriculado para fazer o curso secundário, Neiva Moreira conheceu Carlos Castelo Branco, que mais tarde viria a se transformar em um dos mais importantes colunistas políticos do País: “(…) Carlos teve sempre uma posição muito independente em matéria política. (…) Foi ele quem me deu os primeiros livros importantes para ler. De um deles, ‘ABC do comunismo’, jamais pude esquecer. (…)”
José Louzeiro, por sua vez, diz que nos anos 50, quando dava os primeiros passos na imprensa maranhense, sonhava fazer parte da redação do Jornal do Povo, de Neiva Moreira.
Política
Neiva Moreira era menino quando a Coluna Prestes começou a se movimentar no município de Uruçuí, do lado piauiense do Rio Parnaíba, próximo à sua Nova Iorque. “(…) O rio ficou agitadíssimo. Os barcos (…) subiam, incessantemente, puxando barcas cheias de soldados e armamento. (…) Para a garotada da região, tudo isso era novidade. Era terrível! Vivíamos permanentemente organizando ‘guerrinhas’, à moda da Coluna. (…)”
Seu envolvimento real com a política começou no movimento estudantil. Depois de um tempo no Rio de Janeiro, voltou ao Maranhão, onde ingressou na política partidária. Em 1950, foi eleito pela primeira vez Deputado pelo Partido Social Progressista (PSP). Tudo isso está no livro, que destaca também episódios do golpe militar, o exílio do protagonista em países da América Latina, a edição da revista Cadernos do Terceiro Mundo e a posição privilegiada de observador dos movimentos de descolonização portuguesa na África.