Água: o BNDES no festim dos privatistas


17/09/2024


Por Marcos Montenegro, engenheiro e coordenador de Comunicação do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas)

Não me convidaram / Pra esta festa pobre / Que os homens armaram / Pra me convencer/ A pagar sem ver / (…) Fiquei na porta / Estacionando os carros”
(Brasil, de Cazuza)

Com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) como “co-host”, ocorreu em São Paulo, em 10 de setembro, uma notória tertúlia privatista, organizada pelo GRI Club, uma plataforma internacional de relacionamento para executivos que atuam no mercado imobiliário e no setor de infraestrutura.

O site do evento informava que no encontro seriam abordados os projetos do novo ciclo de estruturação do BNDES, bem como as formas de aporte financeiro disponíveis, reforçando a continuidade do apoio do banco à agenda de universalização do saneamento básico no Brasil.

Mais um evento, em que, sob o pretexto de promover a universalização, o capital discute os caminhos da privatização. A primeira sessão foi coordenada por Luciana Costa, Director of Infrastructure, Energy Transition and Climate Change (assim mesmo, em inglês – diretora de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática) do BNDES e contou com a participação de Leonardo Picciani, secretário nacional de Saneamento Ambiental, e Manoel Renato Machado Filho, secretário adjunto de Infraestrutura Social e Urbana da Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos.

Nas demais mesas, que contaram com outros quatro gerentes do BNDES, participaram representantes do Banco do Nordeste, do IDB, vulgo BID ou Banco Interamericano de Desenvolvimento, do Itaú BBA S.A e do Santander. Contribuíram também com os debates sobre a “universalização” dirigentes da Aegea, maior grupo controlador de concessionárias privadas de água e esgoto no país, e do Grupo Águas do Brasil, holding de concessionárias privadas de 32 municípios.

A Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon Sindcon) esteve representada por Christianne Dias Ferreira, sua diretora-executiva e ex-diretora-presidente da Agência Nacional de Águas e Saneamento do Brasil (ANA) no governo Bolsonaro. O Instituto Trata Brasil, presença indispensável em eventos como esse, foi representado por sua “CEO”, Luana Pretto.

Pedro Maranhão, ex-secretário nacional de Saneamento do governo Bolsonaro, representou os interesses das empresas privadas que atuam na gestão de resíduos sólidos como diretor presidente da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema). Figura em evidência no processo de privatização da Sabesp, Karla Bertocco Trindade participou como “Independent Board Member” (membro independente do conselho) da Orizon Valorização de Resíduos. Tarcila Jordão, diretora de Desenvolvimento de Concessões e PPPs, representou o Grupo Solví (R$ 2,22 bilhões de faturamento em 2023), com negócios no Brasil e em outros países da América Latina.

A Vinci Partners, empresa de fundos de investimentos que se define como uma plataforma de investimentos alternativos de atuação global, marcou presença por meio do seu “Infrastructure Principal” (Diretor de Infraestrutura), Gustavo Valente.

Bancas de advocacia de negócios também tiveram a oportunidade de contribuir para “uma sociedade mais justa, promovendo a preservação ambiental, redução de doenças e o desenvolvimento econômico sustentável, além de diminuir as desigualdades sociais”, conforme destacado na abertura do site do evento. Tudo propiciado pela pujança do capital privado.

Ausentes a Assemae (Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento), a Aesbe (Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento), a Abes (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental) e as entidades municipalistas, assim como qualquer entidade dos trabalhadores urbanitários. Teriam sido convidadas para este supimpa convescote?

A ausência de representantes dos moradores das comunidades e vilas, assim como dos povos das águas, do campo e das florestas, sequer foi percebida, apesar do muito que se falou em nome deles. Talvez, como dizia o Cazuza, tenham ficado na porta estacionando os carros.

Nota do editor: O Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas) apoia a campanha da ABI pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 6/2021, a PEC do Direito Humano à Água Potável.

Links:
https://outraspalavras.net/crise-brasileira/agua-o-bndes-no-festim-dos-privatistas/

https://ondasbrasil.org/tertulia-privatista-discute-prioridades-do-bndes/