O Clamor por Justiça Climática: A Luta dos Povos Originários e a COP-30


04/09/2024


Por Iassonara Veríssimo Fulni-ô (*)

Com a aproximação da COP-30, marcada para acontecer em Belém do Pará, o mundo volta os olhos para uma das regiões mais emblemáticas e ameaçadas pela crise climática: a Amazônia. No entanto, em meio aos discursos diplomáticos e promessas de redução de emissões, as vozes ancestrais dos povos originários reverberam de maneira cada vez mais alta e clara, entoando o que se é cediço: – Protegemos há séculos as florestas e seus ecossistemas.

Existe uma tênue contradição com a COP-30, entre seu discurso e a realidade fática. A Conferência promete ser um marco histórico na luta contra as mudanças climáticas, não apenas por sua localização no coração da Amazônia, mas pela crescente pressão internacional por ações reais e efetivas. Porém, há uma profunda contradição envolvendo o evento, ou seja, a marginalização contínua dos povos indígenas nos processos decisórios, apesar de sermos os guardiões tradicionais das florestas e dos recursos naturais.

Desde o início das conferências climáticas, as promessas de inclusão e proteção dos povos originários têm sido frequentemente vazias e perfunctórias. Negociações são dominadas por governos e corporações que muitas vezes veem a floresta como uma commodity e nos tratam os detentores dos conhecimentos ancestrais das florestas, à margem e com nossas vozes silenciadas. A COP-30 precisa enfrentar essa contradição de frente, ou corre o risco de ser mais um evento marcado por boas intenções e poucas ações concretas.

Todos os meus parentes e parentas , bem como outros grupos originários ao redor do mundo, têm feito um apelo urgente em prol de termos o reconhecimento dos nossos direitos territoriais e a nossa autonomia na gestão das florestas. Somos responsáveis pela preservação de 80% da biodiversidade restante no planeta, mas enfrentamos ameaças constantes de desmatamento, exploração ilegal de recursos e todos os impactos devastadores das mudanças climáticas.

Acreditamos que a crise climática não é uma abstração discutida em salas de conferências, mas uma realidade fática. Cotidianamente testemunhamos a intensificação das queimadas e das secas, inundações e a destruição de ecossistemas que ameaçam diretamente nossas formas de vida, nossa cultura e nossa própria existência. A luta por justiça climática é, para nós, uma luta pela sobrevivência e pelo nosso solo sagrado. Todo o ecossistema que nos rodeia é permeado por uma vida sagrada que nos nutre e nos acalenta, que constroi em nossa essência toda a conexão e conhecimento ancestral que nos baliza.

Portanto, podemos nos questionar se a COP-30 é um marco ou mais do mesmo? Inicialmente, será realizada em Belém do Pará no Brasil e tem um potencial simbólico poderoso. É uma oportunidade única para colocar a Amazônia e todos os povos originários no centro das discussões globais sobre o clima. No entanto, o verdadeiro teste será se essa conferência irá além do simbolismo e resultará em compromissos reais e vinculativos que protejam os nossos direitos e promovam uma mudança estrutural na forma como o mundo lida com a crise climática.

Líderes indígenas, ativistas ambientais e civis que lutam por nossas pautas, exigem que a COP-30 reconheça que nós, povos originários, não somos apenas vítimas, mas sim protagonistas nessa intensa luta contra a mudança climática. Queremos que nossas vozes sejam ouvidas e respeitadas nas negociações, que nossas terras sejam protegidas e que a justiça climática inclua a reparação histórica pelos danos enveredados com o bárbaro pilar do colonialismo com a sua exploração predatória.

A COP-30 poderá ser lembrada como um ponto de virada na luta global contra as mudanças climáticas, mas apenas se conseguir integrar de forma genuína e justa as demandas de todos os povos originários ao redor do mundo. Caso contrário, será mais um capítulo de promessas não cumpridas e de uma batalha contínua pela sobrevivência dos guardiões da ancestralidade. Estamos em um momento crucial para entoar ao mundo que nós, povos originários, defendemos ancestralmente nossas florestas sagradas e, a justiça climática percorre de maneira basilar pela justiça ancestral de nosso sangue espargido.

Awêry!!!

(*)  advogada indígena da etnia Fulni-ô, presidente da APORI- Associação dos Povos Originários, Vice presidente da CDPO- Comissão de Direitos dos Povos Originários da OAB/RJ e CEO da WX IT Solutions em Portugal.

Instagram:@iafulnio