06/07/2022
Por Octávio Costa, em Ultrajano
Uma das primeiras lições do jornalismo é que se deve ouvir todas as partes envolvidas numa reportagem. Mas daí a abrir espaço para uma autoridade alvo de investigação pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Trabalho vai uma grande distância. O economista Pedro Guimarães é acusado de assédio sexual por várias funcionárias da Caixa Econômica Federal. Até mesmo o Tribunal de Contas da União abriu processo para apurar a conduta do ex-presidente da Caixa e os mecanismos de prevenção ao assédio no banco público. Segundo Lucas Furtado, procurador junto ao TCU, esse tipo de conduta é “criminosa” e viola o princípio administrativo de moralidade, previsto na Constituição.
Vale lembrar ainda que o próprio Jair Bolsonaro (misógino até a raiz dos cabelos) não titubeou em exigir o pedido sumário de demissão de Pedro Guimarães, assim que soube das denúncias reveladas pelo site Metrópoles. A reportagem do experiente Rodrigo Rangel é contundente, com depoimentos irrefutáveis de cinco funcionárias da Caixa, que foram alvo de insinuações e pressões de Guimarães. Alertado por assessores de que o caso poderia ter impacto no voto feminino, Bolsonaro agiu rápido (coisa rara) e nomeou para a presidência da Caixa Daniella Marques, até então secretária especial de Produtividade e Competitividade do Ministério da Economia.
Mesmo diante das fortes evidências, a Folha de São Paulo, na edição de terça-feira, publicou artigo polêmico do ex-presidente da Caixa. Diz Guimarães que ele e sua família estão sofrendo “um massacre insano inquisitorial”. E por isso está disposto a ser alvo da “mais profunda devassa que uma pessoa pode ser submetida”. Também investe contra as funcionárias que o denunciaram ao afirmar que “a versão de um delator não vale nada se não vier acompanhada de provas materiais que a convalidem”. No espaço que a Folha generosamente lhe cedeu, Guimarães desafia: “Que assediador serial é esse que, durante quase quatro anos, não digitou nada, não recebeu mensagem alguma de suas vítimas, não mandou nem recebeu áudio de assédio algum? Ou será que tudo não passou do que é: nada?”.
Prepotente como sempre se mostrou na relação com os subordinados na Caixa, Pedro Guimarães aposta que não há imagens ou textos que confirmem a atitude criminosa. Mas que se prepare para o pior. Não faltam depoimentos e testemunhos sobre suas investidas, principalmente durante viagens a trabalho. Assim que assumiu a presidência, Daniella Marques mostrou que para ela as denúncias nada têm de vazias. Ao contrário: afastou de imediato o vice-presidente de Logística e Operações, Antônio Carlos de Souza, e o vice-presidente de Negócios de Atacado, Leonardo Barbosa. Os dois são citados nas investigações conduzidas pelo Ministério Público Federal.
Em seu discurso de posse, Daniella informou que vai reestruturar o canal de denúncias ligado à vice-presidência de Risco e à Corregedoria, que hoje responde diretamente à presidência da Caixa. Segundo relatos de funcionárias ao MPF, o atual modelo permitiu o encobertamente das denúncias de assédio sexual. Daniella ressaltou que a crise da Caixa representa uma “oportunidade para que a gente proteja e promova mulheres, para que a gente seja não só o banco de todos os brasileiros, mas também a mãe de todas as causas das mulheres do Brasil”.
Portanto, que venha “a mais profunda das devassas”. E que os fatos sejam apurados com todo rigor e transparência, como pediu em nota Pedro Guimarães. No twitter, sua mulher, Manuella Pinheiro, atribuiu as acusações ao marido a seus atos no governo Bolsonaro: “Sabíamos que seriam acompanhados de ataques deliberados e impiedosos com o objetivo único de destruir nossa família”. Por enquanto, Manuella acredita piamente na versão de Pedro. Mas as investigações do Ministério Público Federal ainda estão em andamento. E tudo indica que quem sofreu ataques foram as funcionárias da Caixa vítimas de assédio sexual. Para elas, o que passou jamais será esquecido.