Por Cláudia Souza e Cláudia Sanches
05/05/2015
A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) celebraram o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa na tarde desta segunda-feira, dia 4 de maio, no Auditório Oscar Guanabarino, localizado no 9ºandar do edifício-sede da ABI (Rua Araújo Porto Alegre, 71 – Centro do Rio).
Participaram do debate Domingos Meirelles, Presidente da ABI, o ministro Edinho Silva, Secretário de Comunicação Social da Presidência da República; Adauto Soares, coordenador de Comunicação e Informação da Unesco no Brasil; Joseti Marques, presidente do Conselho Deliberativo da ABI, e Ouvidora Geral da Empresa Brasil de Comunicação(EBC); Mauro Ivan de Mello, Audálio Dantas, Luthero Maynard, Arnaldo César Jacob, Conselheiros da ABI, e José Roberto Whitaker Penteado, diretor-presidente da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
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Na plateia, profissionais de imprensa, estudantes de Comunicação, associados e membros da Diretoria da Casa, entre os quais Paulo Jerônimo de Souza, vice-presidente da Associação, líder da Comissão de Liberdade de Expressão e Direitos Humanos; Arcírio Gouvêa, Diretor de Assistência Social, e Jesus Chediak, Diretor de Cultura e Lazer, além dos jornalistas Moura Reis, Jesus Antunes e Wilson Carvalho, entre outros Conselheiros.
No primeiro módulo do debate foram analisadas a estrutura da profissão e as questões relacionadas aos limites impostos ao trabalho dos jornalistas no momento atual.
Domingos Meirelles, que mediou o debate, abriu a solenidade destacando a relevância da parceria ABI-Unesco para a implementação de iniciativas emergenciais que garantam a lisura, a qualidade da imprensa brasileira e da atividade jornalística, e a segurança aos profissionais da área.
— A ABI, que sente-se orgulhosa de celebrar juntamente com a Unesco o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, tem sido ao longo dos anos uma das maiores trincheiras em defesa das liberdades. Neste cenário foram travadas grandes batalhas contra o arbítrio e a opressão, e um fórum de discussão sobre as grandes questões nacionais. Não há nenhum episódio do nosso passado recente em que a ABI não tenha deixado de dar a sua contribuição para a democracia.
O presidente da ABI manifestou preocupação com o aumento de crimes e ataques a jornalistas e as ameaças ao pleno exercício da profissão no País.
— A liberdade de imprensa não pode ser utilizada pelas elites como instrumento de dominação sobre as demais classes sociais. Não pode também colocar-se a serviço do capital, tampouco estar restrita única e exclusivamente à circulação da informação. A liberdade de imprensa tem um compromisso com a democratização do conhecimento.
Domingos Meirelles citou o ano de 2014 como um marco na trajetória do jornalismo brasileiro em razão da escalada da violência, e repudiou o controle econômico na mídia.
— O ano de 2014 foi um dos mais violentos na história da imprensa brasileira. Em números absolutos pode-se constatar até que houve uma redução nos casos de agressão, em comparação com o ano anterior. Mas o número de assassinatos voltou a crescer. A ABI deplora este quadro que tanto depõem contra a liberdade de imprensa e a própria imagem do País. Esta Casa entende que a democracia também significa o direito de construir um conjunto de ideias e poder transmiti-las livremente, sem interferências no seu conteúdo.
Após o discurso de abertura, os debatedores do primeiro módulo iniciaram as discussões em torno dos problemas estruturais que cerceiam a atividade jornalística no cenário atual.
José Roberto Whitaker Penteado defendeu a liberdade de imprensa como elo fundamental para o pleno desenvolvimento socioeconômico e político-cultural no Brasil.
— A liberdade de expressão e a democracia são irmãs siamesas, pois uma não é forte quando a outra é fraca. Para que possam atuar conjuntamente, entretanto, necessitam de livre iniciativa e liberdade de imprensa. Sem democracia, não há livre iniciativa, e esta para existir precisa da concorrência e do seu combustível, que é a publicidade. Um desafio para um País que passou por quatro séculos de escuridão durante o período escravagista. Até hoje pagamos o preço dessa experiência esquizofrênica, desde o modo como as autoridades se comportam em relação ao povo às profundas desigualdades ainda presentes em nossa sociedade. Precisamos combater essa herança autoritária. Para se ter uma ideia, ainda tramitam no Congresso Nacional mais de uma centena de projetos que visam restringir ou censurar a indústria da comunicação. E, como afirma o slogan da Revista de Jornalismo ESPM/Columbia Journalism Review, “Imprensa livre, democracia forte.”
A pressão econômica exercida sobre os veículos de comunicação e os jornalistas foi também analisada por Mauro Ivan de Mello.
— O jornalismo é uma profissão de risco. Ameaças econômicas, ofensas sem sentido e até mesmo ameaças físicas fazem parte da rotina diária de todos os profissionais de imprensa nos dias de hoje. Contudo, a maior ameaça ao jornalista está na autocensura, que precisa ser combatida. A ameaça econômica paira sempre no ar ao lado da perda do emprego e do meio mais eficaz para fechar, calar ou acabar com um jornal, uma televisão ou uma revista.
Para Mauro Ivan de Mello, a força da notícia representa o caminho de resistência às imposições do capital:
— Opiniões podem ser eliminadas com uma simples demissão, mas os fatos não. Eles deixam rastros que emergem. Mais cedo ou mais tarde, a opinião pública ouve, enxerga e acaba descobrindo. Os fatos são a grande arma da imprensa. Jornais foram fechados durante a ditadura, como o “Correio da Manhã”, porém os fatos denunciados por dedicados jornalistas fazem parte da História do nosso País.
Avanços
O ministro Edinho Silva sublinhou o papel da imprensa na consolidação da democracia brasileira e afirmou que, além da preocupação com a continuidade dos avanços tecnológicos na área, há também por parte do governo empenho em garantir o livre exercício da atividade e em valorizar o profissional de imprensa.
— Caminhamos sempre para a consolidação do papel da imprensa e para o fortalecimento da democracia brasileira. Precisamos reforçar os instrumentos de comunicação entre o Estado, a imprensa e a sociedade civil, destacando o importante papel do profissional de imprensa. Os avanços tecnológicos contribuíram para a relação cada vez mais autônoma e espontânea entre o cidadão e a informação. O Brasil consolida sua imagem para o mundo como espaço de livre expressão. A liberdade de imprensa é um compromisso do governo brasileiro.
O cenário dramático da imprensa durante a ditadura de 64, em contraponto com a atualidade, foi lembrado pelo presidente da ABI, que recordou as estratégias utilizadas contra a censura imposta pelo regime autoritário:
— Na época em que trabalhei no jornal “O Estado de S. Paulo”, com a ascensão do governo Médici foi muito forte o cerceamento à atividade jornalística. Durante o governo Geisel houve uma briga entre a família Mesquita, proprietária do veículo, e o governo militar. Dr. Júlio Mesquita não aceitava as imposições. O “Estadão” começou a deixar espaços em branco na primeira página no lugar das matérias que sofriam cortes, mas os militares proibiram a circulação de jornais com espaços em branco. O jornal, então, passou a publicar nesses vazios trechos dos “Luzíadas”, de Camões. No primeiro momento o leitor não percebeu que era um alerta. O “Jornal da Tarde” foi mais criativo e começou a publicar receitas culinárias. Os leitores ficaram encantados e escreviam cartas elogiosas. O objetivo de chamar a atenção para a censura não foi alcançado. Os jornalistas, então, decidiram publicar receitas com erros, como exageros na quantidade de ovos ou de farinha, mas o público não entendia a verdadeira intenção, que era mostrar o que estava acontecendo nos bastidores.
Dando sequência ao debate, Joseti Marques comemorou as conquistas do passado, mas chamou a atenção para a urgência de novos rumos no setor:
— Quando consegui um estágio no “Jornal do Brasil”, aos 19 anos, em 1975, havia um pouco mais de liberdade. Continuei no Jornalismo a partir da ideia romântica de que a democracia traria à nossa sociedade um ambiente de igualdade. Em 1988, na Constituição Cidadã inaugura-se um novo momento. Vencemos, mas não podemos esquecer que o tempo em que vivemos na escuridão nos permite olhar com clareza para os fatos. Vivemos hoje uma circunstância de liberdade plena, ma conquista do povo brasileiro. Na época havia a comunicação privada e a estatal, mas hoje temos também a comunicação pública. Na função de Ouvidora Geral da EBC, incentivo a crítica diária dos nossos conteúdos na busca de um discurso direcionado ao público consumidor. A comunicação pública desempenha o papel fundamental de dizer que todos têm direito à comunicação na sua dimensão cidadã. A liberdade de imprensa aponta para a empresa, que tem objetivos legítimos, até mesmo o lucro. Já a liberdade de expressão vai além e implica no reconhecimento de cada um de nós como cidadãos. Precisamos de mais democracia, de mais discursos plurais. Para isto é urgente priorizarmos a qualificação no sentido de lutar em nome do jornalismo como o pilar da democracia. Nenhum lugar pode ser melhor do que esta Casa para firmarmos este compromisso.
Segurança e qualificação
A mesa debatedora do segundo módulo reuniu os jornalistas Audálio Dantas e Arnaldo César Jacob, e o historiador Lutero Maynard, membros do Conselho da ABI.
Audálio Dantas defendeu a ideia de que a liberdade de imprensa, garantida pela Constituição, precisa ser cumprida, e a ampliação das discussões em torno da democratização dos meios de comunicação:
— Os veículos devem servir à sociedade e não a interesses de grupos políticos que desrespeitam os direitos humanos fundamentais. Dados da pesquisa produzida no corrente ano pela ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF), apontam o Brasil na 99ª posição do ranking da liberdade de imprensa, 12 posições acima do resultado de 2014. As elites ainda não aceitaram a ideia de que vivemos em um regime democrático. O poder judiciário é o que mais aplica a censura no País, especialmente quando condena um veículo ou um profissional de imprensa. As concessões de canais de comunicação, que são um bem público, devem servir aos interesses da sociedade.
O historiador Luthero Maynard lembrou que jornalistas ainda hoje são mortos “por jagunços”, e criticou os grupos que dominam os meios de comunicação na Brasil:
— Esses jornais acabam se perpetuando como um negócio que passa de geração em geração desde a época da cana-de-açúcar, quando o controle estava nas mãos de poucas famílias. É preciso interromper urgentemente este processo de violência contra a categoria jornalística submetida a salários aviltantes, ao medo, e à falta de liberdade para exercer sua função.
Arnaldo César Jacob, que analisou o futuro do mercado de trabalho, acredita que a internet não vai acabar com os veículos impressos, como se previu na década de 90.
— As novas mídias vão tirar esses veículos impressos da zona de conforto, já que a questão atual se dá em torno do conteúdo. Para permanecerem no mercado, jornais e revistas terão que apresentar mais qualidade e aprofundamento na informação. Institutos de pesquisa contratados por veículos como “The New York Times” e “Washington Post” confirmam que a mídia impressa terá que investir em credibilidade e qualificação profissional. O estudante de Comunicação precisa estar preparado para a realidade que o aguarda.
Adauto Soares, coordenador de Comunicação e Informação da Unesco no Brasil chamou a atenção para a importância da segurança e de melhores condições de trabalho na imprensa e para a sensibilização da opinião pública, incluindo os jovens, a respeito das grandes transformações que a mídia digital está impondo ao mercado.
Ainda sobre a preocupação com a formação das novas gerações, o presidente da ABI afirmou que o estudante está saindo da universidade muito despreparado:
— A questão central é a má formação acadêmica e não se o veículo é impresso ou digital. Boa parte do corpo docente nunca entrou numa redação. Os alunos deixam a universidade sem saber o que vão fazer com essa profissão. O jovem sai muito vulnerável e robotizado. O jornalismo é uma carreira diferenciada, que exige ainda uma boa dose de rebeldia e humildade. Outro grave problema da categoria é o salário aviltante.
Após o encerramento do encontro, Jesus Chediak, Diretor de Cultura e Lazer da ABI, propôs uma reflexão sobre a liberdade de imprensa e o poder econômico:
— O jornalista tem o compromisso com a verdade e com a história. Nós temos hoje a liberdade de imprensa, mas o jornal publica aquilo que o repórter apurou? Não podemos permitir que a ditadura econômica do neoliberalismo crie uma hegemonia contra o exercício da profissão. O poder econômico também é uma forma de censura. Devemos trazer os donos de jornal para discutir esse tema aqui na Casa do Jornalista.
Outra sugestão, que partiu do Diretor Administrativo Orpheu Santos Salles, foi a realização de um futuro evento para homenagear os jornalistas que lutaram contra a ditadura militar:
— Companheiros no passado se sacrificaram e morreram pela liberdade de expressão. Temos presente Audálio Dantas, um dos jornalistas que arriscou a sua vida, e, talvez, um dos primeiros a enfrentar a fortaleza da ditadura. A ABI deve reconhecer os colegas que ainda estão vivos e merecem receber desta Associação o galardão pela sua luta.
Leia abaixo a íntegra do discurso de Domingos Meirelles:
“A ABI sente-se orgulhosa de celebrar juntamente com a Unesco, na tarde de hoje, o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.
Não poderia ter sido mais feliz a escolha do local para festejar esta data do que a Casa do Jornalista, a mais longeva instituição da sociedade civil.
A ABI, ao longo dos anos, tem sido uma das maiores trincheiras em defesa das liberdades. Neste cenário foram travadas grandes batalhas contra o arbítrio e a opressão. Tem sido historicamente um fórum de discussão das grandes questões nacionais. Foi neste Auditório que nos anos 50 teve início a campanha “O Petróleo é Nosso”, que logo ganharia as ruas transformando-se em uma das mais notáveis mobilizações populares que levariam à criação da Petrobras.
Não há nenhum episódio do nosso passado recente em que a ABI não tenha deixado de dar a sua contribuição em defesa das liberdades e do Estado de Direito. Foi assim a partir do golpe de 64, com a campanha da anticandidatura de Ulisses Guimarães e Barbosa Lima Sobrinho. Foi também assim na luta pela Anistia e pela redemocratização do País. Nesta Casa começou também a memorável campanha que levou ao impeachment do então presidente Fernando Collor.
Fiel às suas tradições, a ABI sempre representou um espaço democrático para o debate das questões mais agudas do nosso tempo.
No dia de hoje, no qual celebramos a liberdade de imprensa, a Casa dos Jornalistas não pode deixar de manifestar sua preocupação com as ameaças ao exercício pleno deste pilar fundamental às outras manifestações. Entre elas, merece especial destaque as questões relacionadas à intolerância política, racial, religiosa e de gênero.
A ABI entende que a liberdade de imprensa não pode ser utilizada pelas elites como instrumento de dominação sobre as demais classes sociais. Não pode também a liberdade de imprensa colocar-se a serviço do capital, sobrepondo-se aos interesses do cidadão comum. A liberdade de imprensa não pode se restringir única e exclusivamente à circulação da informação. Ela tem compromisso com a democratização do conhecimento.
Diziam os anarquistas, no início do século 20, que o “saber não poderia ser apenas patrimônio das elites”. Eles sustentavam que o conhecimento deveria circular verticalmente por toda a sociedade. Os seguidores de Proudhon e Bakunin pregavam que o cidadão comum, de origem humilde, deveria ser também um homem culto para que soubesse melhor reivindicar seus direitos em uma sociedade perversa com a em que até hoje vivemos.
O ano de 2014 foi um dos mais violentos na história da imprensa brasileira. Em números absolutos pode-se constatar até que houve uma redução nos casos de agressão, em comparação com o ano anterior. Mas o número de assassinatos voltou a crescer. A ONG Artigo 19 divulgou ontem um levantamento que contabiliza 55 atentados à liberdade de imprensa em 2014, além do assassinato de 15 jornalistas no Brasil.
A ABI deplora este quadro que tanto depõem contra a liberdade de imprensa e a própria imagem do País. Esta Casa entende que a democracia também significa o direito de construir um conjunto de ideias e de poder transmiti-las livremente. O controle econômico da mídia discutido em diferentes cenários da vida política brasileira como forma de democratizar a informação, jamais poderá interferir no seu conteúdo, o que representaria uma grave violação deste mandamento sagrado.”